quarta-feira, 9 de maio de 2018

Poesia - Emanuel Medeiros Vieira


Poesia


* Por Emanuel Medeiros Vieira


Os poetas, como os cegos, enxergam na escuridão. Hoelderlin já nos ensinava: “O que permanece, fundam-no os poetas”. Alphonsus de Guimaraens Filho escreveu:

Se não for pela poesia
como crer na eternidade?”

Numa mensagem, meu amigo Ronaldo Cagiano, confessa: “Um minuto no túmulo de Balzac, uma tarde à beira do Sena ou um café n’A Brasileira, onde sentou Pessoa, me ensinam mais que todas as religiões e filosofias”. Kafka já dizia: tudo o que não é literatura me aborrece.

Complementa Cagiano, o colega escritor: Não tenho medo de andar contra a corrente. A vida não é feita de adesões ao política, estética e culturalmente correto, mas ao que tem dimensão onírica, humana e solitária. E isso não dá votos, nem resenhas na Folha”.

Me perguntaram numa escola aqui em Brasília: “Como se faz um bom livro?” Eu sorri, sala cheia, jovens de 20 anos. Sabia de cor a resposta de Somerset Maugham: “Há três regras para se escrever um bom livro. Infelizmente, ninguém sabe quais são.”

Dia de citações, não é? Meus perdões. Porque escrever não tem receita. Tem inspiração sim. Mas tem muito trabalho. “Transpiração”, disciplina. Há que começar a faina diária mal rompe a aurora. Todos os dias, todos. E ler, muito. Reler. Ler mais. Sempre. Até o último suspiro.

Se paramos de ler, vamos morrer. O aprendizado da escrita é misterioso. O processo de aprender a escrever é desanimador porque é inexplicável”, afirma Alberto Manguel. Ele complementa: “A leitura é uma atividade pela qual os governos sempre manifestaram um limitado entusiasmo”

É claro. A leitura abre os espíritos. A literatura “revela”. A verdade liberta. Com ela no seu coração, você não votaria mais por ter recebido uma esmola, um saco de cimento, umas telhas ou uma bolsa-família.

Ler sempre incomoda os ditadores, os napoleões tupiniquins, desagrada os poderosos, os idiotas e medíocres de plantão. E, no geral, eles estão nos órgãos ditos culturais, com o seu vasto número de funcionários entediados, seus burocratas mesquinhos e seus lanches vespertinos, suas panelinhas burlescas, que querem camuflar o seu enorme vazio com roupas chics ou retóricas e preciosismos. Não enganam. Não adianta. São figuras que merecem a piedade. Serão varridos por qualquer vento sul. Podem receber prebendas, se acham “sérios”, às vezes assinam colunas diárias.

Mas serão sempre figuras menores: aquelas que morrerão sem a solidariedade de si mesmas. Manguel lembra que Pinochet proibiu “Dom Quixote”, de Cervantes. Lógico, o leitor lendo Quixote descobriria a alma nazista do ditador chileno, uma besta do Apocalipse sul-americano.

Penso no que disse um republicano espanhol (pai de um escritor) que passou muitos anos numa prisão política: Até na cadeia vocês serão mais felizes se gostarem de ler”. É verdade!


* Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava simpósios”, entre outros. Foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura de 2018.


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