quarta-feira, 9 de maio de 2018

O pano em sua cabeça determina quem você é - Mara Narciso


O pano em sua cabeça determina quem você é

* Por Mara Narciso
 
Quando a moda era usar chapéu, os homens descobriam suas cabeças em sinal de respeito, diante de uma autoridade, ao se despedir de um amigo num funeral, ao entrar numa igreja, ou ao se sentar para comer. Para quem você tira o chapéu? Outros adereços mostram quem são os homens em suas culturas: cocar, solidéu, turbantes, bonés.
 
Para a mulher, a cabeça coberta pode ser moda ou sinal de subserviência a uma imposição. Nos anos 1960, a Igreja Católica exigia que as mulheres casadas usassem véu preto durante a missa, e só podiam se comungar com ele. As moças usavam véu branco. Isso já definia o estado civil das mulheres. Para não dizer outra coisa. Felizmente, caiu em desuso. Já as profissões militares ainda determinam o uso de coberturas.
 
As freiras usavam longos véus sobre seus hábitos que iam até o chão, e suas vestimentas diziam quem eram. Depois essa roupa deixou de ser obrigatória. As irmãs passaram a usar vestidos abaixo do joelho e lenços pequenos sobre a metade da cabeça, mais adequados ao nosso clima tropical. Outras ordens não têm uniformes, enquanto algumas mantêm o hábito ancestral.
 
Durante a década de 1970 e sob a influência hippie global, era preciso usar cabelos lisos à moda americana e inglesa. Como as brasileiras, em sua maioria, têm cabelos anelados, havia a imposição de se usar “pasta para alisar os cabelos”, os rolinhos e a touca de meia, conforme a necessidade de cada uma. O secador de cabelos de pé era imperioso. Naquela época, era comum sair de casa com o cabelo “rodado em touca de meia” ou com rolinhos e com um lenço de seda sobre a cabeça.
 
Tempos depois, com a difusão da “escova” e depois da escova progressiva, não mais se vê mulheres brasileiras com lenços na cabeça. No meio rural subsiste esse costume apenas entre mulheres mais velhas, mais pobres, de baixa escolaridade e moradoras de lugares ermos. O que era um costume indicativo de reserva tornou-se exceção. Durante o trabalho, para se proteger do sol ou para não impregnar os cabelos de poeira ou de fumaça, algumas se valem desse recurso.
 
Em poucos países as mulheres cobrem a cabeça e seguem rígidos critérios de se vestir impostos por lei. Fora de casa são obrigadas a se esconder da cabeça aos pés dentro de uma burca, geralmente da cor preta, sob pena de serem apedrejadas e mortas, além de estar acompanhadas por um homem da família, seja marido, pai ou irmão. Existem outros lugares nos quais é norma cobrir a cabeça, o pescoço e os ombros com véus de vários tamanhos e denominações, sem falar na face coberta, exigida em outras nações.
 
No Brasil, as mulheres que não querem alisar seus cabelos usam as madeixas encaracoladas soltas ou, parcialmente, sob vistosos turbantes multicoloridos, de puro charme. Quando uma mulher aparece com um pano cobrindo toda sua cabeça, pensa-se imediatamente em câncer, no seu tratamento quimioterápico e em seu conhecido efeito colateral de queda capilar. Tornou-se habitual ver mulheres recorrendo ao uso de lenços para se sentir mais confortáveis. Outras mostram a cabeça desnuda.
 
A simples presença de um lenço de cabelo serve para definir e classificar a pessoa socialmente. Caso a mulher esteja com um deles, não seja estrangeira do oriente médio e não esteja em tratamento, certamente é velha, da roça ou de classe social baixa, e pode sentir os olhares, a censura, uma espécie de pena advinda dessa característica visual. Como não quero usar a “chapinha” para evitar o frizz – cabelos energizados, acabei por me decidir a fazer a touca, colocar a meia e o lenço, após a escova, para finalizar os cuidados com as melenas. Não me mostro, mas noto a desaprovação e até o preconceito de quem me vê indo pegar o carro. O pano desperta surpresa, curiosidade e desprezo. São as definições das castas, pela cabeça, a de dentro que mal pensa e a de fora que é visível. Mudo a minha maneira ou deve mudar quem me vê?


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



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