quarta-feira, 9 de maio de 2018

Mudanças em Blumenau - Urda Alice Klueger


Mudanças em Blumenau

* Por Urda Alice Klueger

Como esta pesquisadora vive há mais de cinco décadas na mesma cidade (Blumenau – SC), tem ela constantes surpresas das mudanças que acontecem e aconteceram no seu microcosmo ao longo de tal tempo.

Sua lembrança primeira é de uma cidade de menos de 60.000 habitantes, horizontal, espalhada por vales onde casas eram cercadas por jardins, quintais, pomares e, em grande parte, por pastos onde vivia gado leiteiro e um ou outro cavalo.

As casas possuíam galinheiros chiqueiros. Todo esse conjunto era cercado pela Mata Atlântica, ainda quase sempre primária, que ocupava o alto dos morros e outros lugares e cortada por cursos d´água no fundo dos vales. Nas mais movimentadas ruas da cidade, ainda se sabia de cor o nome de família de cada morador ou comerciante, e as referências eram dadas de uma certa forma: “primeira curva depois das terras da família tal”, etc. Além do trabalho rural, a maior parte das pessoas trabalhavam numas poucas fábricas. O uso da língua alemã em lugares públicos era considerado normal. No rio que corta a cidade havia um campeonato de pesca ao robalo e competições de remo.

Mais tarde, ela guardará a lembrança de uma cidade de 80.000 habitantes, que em pouco se diferenciava da outra, mas onde já haviam nascido os primeiros edifícios. 

A cidade se verticalizava lentamente, mas, mesmo assim, nas principais ruas, ainda circulavam carros de tração animal, como carroças com carga e carros de mola puxados a cavalo, os antepassados dos táxis, que, naquela altura, já haviam se transformado em atração turística e neles os visitantes desfilavam em meio aos automóveis, deleitando-se com aquela tradição do passado que se mantinha funcionando.

A pesquisadora também tem muitas lembranças da mesma cidade com 100.000 habitantes, e que então se verticalizava velozmente. As casas de comércio multiplicam-se, constroem-se muito em encostas e ao redor dos cursos d´água; já não se conhece o nome das famílias e dos comerciantes como antes. Os carros de mola e as carroças desapareceram; o trânsito de veículos automotivos se intensifica. São raros os pastos e cada vez há menos galinheiros e chiqueiros; algumas nascentes e ribeirões passam a ser canalizados para que não mais invadam áreas que antes eram silvestres e que então estavam cheias de construções. As fábricas e fabriquetas, agora, são muitas, e se cria a terceirização de trabalhos, tanto nas indústrias grandes quanto nas de fundo de quintal, também conhecidas como facções (quando da indústria têxtil). Há cerca de 900 facções no município, nesse tempo. Outros setores se terceirizam, como os de segurança, de limpeza, etc. Intermediários espertos ficam com a maior parte da venda de mais-valia dos que vendem sua força de trabalho. É um tempo de alta inflação e de quando começam a acontecer diversos planos econômicos que prejudicam grandemente a maior parte da população. Também é um período marcado por grandes inundações. Os grandes supermercados substituíram a vendinha próxima à casa das pessoas, o uso de veículos automotores aumentou muito e criou-se a necessidade do uso de eletrodomésticos modernos. Ainda se pode, no entanto, viajar para a praia na sexta-feira e esquecer a casa aberta, voltando-se no domingo sem que ela tenha sido assaltada.

Neste momento, a cidade de Blumenau conta com um pouco mais de 300 mil habitantes, e pouco se assemelha àquela cidade que um dia a pesquisadora conheceu, no início da sua vida. Se alguém usar a língua alemã, o fato será considerado coisa exótica. Há uma certa impressão de que não há mais terras disponíveis. Onde, faz três ou quatro anos, havia um terreno baldio, hoje nasce um edifício de apartamentos. Muitos córregos morreram nas suas canalizações, afogados em detritos e algas. Principalmente na zona central, a cidade está quase que toda verticalizada, e mesmo nos bairros a verticalização se acelera. Se ainda há pastos, eles estão muito escondidos. Os animais visíveis são os cachorros, os gatos e outros mais exóticos, como cacatuas, etc. Há lojas que anunciam: “Compre uma gaiola e ganhe um ratinho de presente”, numa impressionante desvalorização da vida. Restam sobras da floresta nativa na ponta dos morros e em dois parques criados com a finalidade de preservação, principalmente das nascentes, mas mesmo assim o rio principal da cidade tem muito menos água do que tinha faz poucas décadas. Os principais afluentes desse rio também têm muito menos água que no passado. Em relação ao rio no centro da cidade, outro fato impressiona: foi cercado de tal forma pelo poder público que a população já não pode chegar até ele. O rio só pode ser visto de cima, de longe. Outrora, naquele rio, houvera até um agradável restaurante flutuante, coisa cuja existência agora já não é possível, tendo em vista a falta de acesso à água.

Pouco sobra da cidade de 60.000 habitantes. Lojas de donos desconhecidos abrem e fecham nos shopping-centers e nas ruas de comércio, sem que se saiba a quem pertencem. Esta pesquisadora, quando passa umas poucas semanas sem percorrer determinadas ruas, tem a surpresa de ver nela construções e comércios que muito recentemente lá não existiam, e ela própria quase desconhece a cidade. Pensa-se que se fosse dado a um jovem de 20 anos imaginar a mesma cidade quando ela tinha 60.000 habitantes, ele teria grande dificuldade em fazê-lo e talvez não o conseguisse.


* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).




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