quarta-feira, 7 de março de 2018

Ode à voz masculina - Mara Narciso


Ode à voz masculina


* Por Mara Narciso
 
A voz masculina, especialmente as mais graves, causa intenso e extenso estrago. O som reverbera nos tímpanos e é entendido no lobo temporal, mas parece modificar hormônios que agitam as células. Quem resiste a uma voz grossa falando, seja lá o que for? E se forem coisas inteligentes e interessantes deixam a feliz vítima sem defesa. Os sons de pequena frequência que os homens emanam, produzem grande aumento na frequência cardíaca. Quem não responderia exageradamente a esses sons? Os próprios homens? Uma voz grave não deixa um único milímetro corporal imune/impune. É ouvir para mudar tudo.
 
Muitas vozes passaram e outras tantas ficaram eternizadas nas memórias auditiva e afetiva. É possível alguém se apaixonar por uma voz e dela fazer o centro de tudo. O efeito é devastador, não se desfaz, pereniza-se. Ouvir uma voz tipo locutor de FM altera a percepção do mundo. Nos tempos de menina havia a satisfação de ouvir Hélio Ribeiro - registrado José Magnoli- e sua inesquecível voz na “Rádio Bandeirantes, cada dia melhor que antes”. O radialista, morto em 2000, dizia: esse programa é ouvido pela moça do Karmann-Ghia vermelho. Era satirizado por Chico Anysio com o personagem Roberval Taylor (tudo eu, tudo eu), e o considerava como o melhor locutor de rádio. Com a popularização da internet é possível entrar no túnel do tempo, ouvindo sua locução impecável. A voz de Hélio Ribeiro marcou muitas vidas a fogo.
 
A boa voz masculina faz reféns, encanta, emociona, faz chorar e é a melhor para locução em rádio, TV, internet e tudo o mais que houver. Cito: Cid Moreira, Silas Esteves de Freitas, José Wilker, Heron Domingues do Repórter Esso da Rádio Nacional e Carlos Niemeyer do Canal 100, além de muitos outros que se enquadram neste contexto.
 
O timbre de voz tem relação com a amplitude da caixa torácica, mas não a define, pois muitos homens pequenos e magros têm voz grave e retumbante. Acontece uma surpresa quando se espera uma voz normal e vem uma voz num tom agradavelmente baixo. Em alguns casos, quando esses homens têm um talento específico, largam a locução e vão cantar.


 
A voz mais bonita do Brasil é a de Tim Maia, carioca de 28 de setembro de 1942, e batizado Sebastião Rodrigues Maia. Nas músicas “Me dê motivo” e “Um dia de domingo” ele explode com sua marca registrada, tão única quanto uma impressão digital. Escutar essas duas músicas leva a consecutivos impactos. É uma satisfação que causa fechamento dos olhos. Que coisa! E no caso dele, à medida que foi amadurecendo e engordando, sua voz foi ficando mais gostosa. Recebeu uma dançante música homenagem de Jorge Benjor – W Brasil. Tim começou a gravar em 1970, e, ao terminar, ainda tinha outro tanto para cantar. No dia 15 de março completam 20 anos sem Tim Maia. Morreu em Niterói em 1998, aos 55 anos, uma semana após sofrer um edema agudo do pulmão no palco, no qual subiu sem condição de cantar. Começou a morrer ali, tentando começar o show por duas vezes e sair cabisbaixo, depois de inundar o mundo por 28 anos com seu talento, intensidade, irreverência e confusões por descumprimento de contratos. E aqui, homenageando a voz dos homens como um todo, aproveito para aplaudir Tim Maia, sua qualidade vocal e sua trajetória vitoriosa, alguém que viveu e cantou da maneira hiperbólica, com muito “swing” e de uma forma jamais ouvida, pois ninguém cantou tanto quanto Tim Maia.

* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



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