terça-feira, 6 de fevereiro de 2018


A rivalidade criativa

* Por Plínio Palhano

Sebastian Smee — crítico de arte premiado com o “Pulitzer” de Crítica em 2011, nascido na Austrália — colaborou com periódicos americanos, é um estudioso da obra de Lucian Freud e ajudou a publicar cinco livros sobre esse pintor britânico. No livro “A arte da rivalidade”, fala da amizade de oito artistas que conviveram e intercambiaram suas produções e, com essa troca, cresceram cada um em seu percurso. São eles Manet, Degas, Matisse, Picasso, Pollock, De Kooning, Freud e Bacon. Smee revela uma rivalidade quase sempre sutil e descarada em algumas situações. Uma realidade natural entre talentos que pretendiam e ganharam o mundo da arte, da crítica, do mercado, da popularidade. Todos amaram o sucesso e se perderam em algumas ocasiões. A fase de não aceitação de suas obras e a pobreza, todos a ultrapassaram.
 
Matisse e Picasso foram dois artistas que se encontraram logo no início do século XX e compartilhavam uma disputa acirrada. O primeiro, doze anos mais velho, sentia-se um mestre, e o era. Nessa posição confortável, tentava arrastar o mais jovem para o seu terreno estético, mas logo viu que se tratava de um gênio indomável e começou a perceber também um adversário no campo da arte. Por exemplo, dos dois, quem primeiro percebeu a força da arte africana, em loja que vendia produtos daquela cultura, foi Matisse, e apresentou a Picasso as máscaras, as esculturas, com as quais o artista espanhol ficou encantado. Picasso percebeu o avanço do pintor francês com a sua visão fauvista, de cores fortes e pinceladas arrebatadoras que todos os outros pintores imitavam ou com a qual se afinavam, enquanto o andaluz caminhava na fase rosa. Matisse era publicado em revista importante, a “Gil Blas”, com a crítica apontando-o como um líder da nova geração de artistas. No mesmo período, ele participou com a obra “A alegria de viver” no “Salão dos Independentes”, que era a opção importante para aqueles que não estavam no caminho oficial da arte.
 
A alegria de viver” deu uma sacudida em Picasso, porque ele notou algo de novo ali, pela leveza do tema, as linhas que percorriam os nus representados, a ambiência paradisíaca, as cores vibrantes e uniformes de uma beleza e simbolismo estonteantes.

Quando Picasso percebeu a força das máscaras e esculturas africanas, começou a trabalhar em outra linha; aquelas cabeças, corpos, máscaras tinham um novo significado e abririam outras portas em sua trajetória. Pretendia trabalhar em uma obra que tivesse mais força e iniciou a grande pintura “As meninas de Avignon” (“Les mademoiselles d’Avignon”), surpreendendo a muitos (inclusive a Matisse) que não aceitaram o rompimento com a história estética da arte que a obra representava: o espaço, as cores, as formas anatômicas. Foi um ataque à velha e tradicional pintura da perspectiva linear. É como se mostrasse outra concepção do mundo e do espaço. Foi o primeiro passo para o Cubismo. Os dois artistas sempre tiveram, nessa caminhada paralela, uma rivalidade produtiva e uma admiração mútua. As visitas entre eles foram mantidas até a morte de Matisse.
  
Todos os outros artistas mantiveram essa relação de compartilhamento de ideias e de buscas. Manet e Degas, duas visões que se harmonizaram. Manet admirava em Delacroix a cor e as pinceladas visíveis; Degas assimilou o desenho de Ingres, era o seu herói.
  
Pollock e De Kooning, artistas poloneses que buscaram Nova York para suas conquistas, são expressionistas. De Kooning, figurativo; e Pollock mergulhou num Expressionismo Abstrato que alcançou uma radicalização com as suas “drip paintings” (“pinturas gotejadas”), sendo considerado, à época, o maior artista representante da arte contemporânea americana.

Finalmente, Lucian Freud e Francis Bacon, artistas britânicos que conviveram desde a juventude, acompanharam mutuamente as suas produções de forte impacto e interagiam em muitas temáticas. Bacon, inclusive, foi retratado por Freud, no desenho e na pintura.


* Artista plástico e escritor.





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