sábado, 10 de fevereiro de 2018

Mofo - Flora Figueiredo


Mofo

* Por Flora Figueiredo

A sala escurecida,
o sofá marcado,
os tons esmaecidos pela vida,
em cada almofada algum recado.

O abajur ainda torto,
o gramophone.
Um romance aberto numa noite insone,
o gato mal desperto, quase morto.

Sua figura barroca,
descombinando.
Riscas do tempo denunciando
a vida decadente, meio louca.

O pó renitente no tapete,
cheiros diversos de descaso.
Um desalinho que você consente,
pendente, a flor que coloquei no vaso.

No ar uma ligeira bruma.
Você fuma seu amor rasgado e obsoleto:
essa coisa tanta e já nenhuma,
essa farsa tão pobre e amarrotada,
nosso caso mofando em branco e preto. 

In Florescência, 1987 

* Poetisa, cronista, compositora e tradutora, autora de “O trem que traz a noite”, “Chão de vento”, “Calçada de verão”, “Limão Rosa”, “Amor a céu aberto” e “Florescência”; rima, ritmo e bom-humor são características da sua poesia. Deixa evidente sua intimidade com o mundo, abraçando o cotidiano com vitalidade e graça - às vezes romântica, às vezes irreverente e turbulenta. Sempre dentro de uma linguagem concisa e simples, plena de sutileza verbal, seus poemas são como um mergulho profundo nas águas da vida. 


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