Os
herdeiros da rosa
* Por
Woden Madruga
Na
desarrumada caixa de papelão onde guardo uns jornais antigos por
absoluta mania, encontro o pacote que há anos perdera e há muito
tempo procurava. Foi um acaso feliz. Nele estava a cópia encadernada
dos originais de um livro inédito do poeta Talis Andrade e que ele
me mandara nos meados dos anos 90 do século passado. Junto com os
poemas uma carta. Talis é poeta, jornalista e publicitário.
Natalense-pernambucano-recifense.
Pernambucano
de Limoeiro. Acho que sim, menino de Limoeiro do coronel Chico
Heráclito, seu desafeto ideológico. Talis me falava muito de suas
namoradas de Limoeiro. Vim conhecê-lo em Natal dos anos 50,
apresentado pelo primo Márcio Marinho. Ficamos amigos de repente.
Andávamos pelas redações dos jornais e pelos bares da vida naquela
quadra entre os 18 e 24 anos de idade. Num nesses períodos veio
morar em minha casa. Tínhamos um outro companheiro: Ronaldo Ferreira
Dias. Lá se vai meio século. Talis fazia um suplemento literário
em A República. Era no Governo de Dinarte Mariz.
Quando
Aluízio Alves assumiu o governo, em 1961, Talis voltou para o
Recife. Deambulou pelas redações de lá, Jornal do Commercio,
Diário de Pernambuco, metido em literatura, fazendo poesia,
atravessando as pontes e se apaixonando por todas as namoradas.
Meteu-se em agências de propaganda, assessorou governos, entre eles
os de Gustavo Krause e de Paulo Guerra, trabalhando, com este, ao
lado do hoje presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos
Vinicius Villaça. No prefácio para um livro de Talis, “Cantiga
para um ícone dourado”, Marcos Villaça, lembra dos tempos em que
participava – ao lado de Talis – das reuniões da “Academia de
Novos” da qual foram fundadores: “Ele um inacadêmico sem nunca
ter sido, é óbvio, antiacadêmico. Nas sessões falava de autores
indexados (pobres autores, tão inocentes!) e lhes mostrava os
livros, tirados da robusta e de certo modo revolucionária biblioteca
do pai; declamava Pound, mais balbuciando do que falando, na sua
timidez invicta”.
Mais
adiante, Villaça acrescenta:
– Depois,
estivemos de vez em quando juntos, como ao tempo do governo desse
saudoso e admirável Paulo Guerra. Nossos gabinetes geminados, o meu
sempre arrumado, o dele, a maior desordem palaciana. Ainda: novamente
flagrado em vida pública, fiz com ele seminários de informação
governamental, nada oficiais e sem espartilhos das conveniências
tipo chapa-branca.”
O
prefácio de Villaça é de 1977 quando foi publicado “Cantiga para
um Ícone Dourado”, terceiro livro de Talis. Os dois primeiros são
“Esquife Encarnado”, 1957, e “Poemas”, 1975. Em 1977 sairia o
quarto, “O Tocador de Realejo”, todos publicados no Recife.
Começo
dos anos 70, Talis voltou a Natal. Veio trabalhar no governo de
Cortez Pereira. Foi em 1971, por aí. Era o secretário de imprensa
de Cortez. O cargo não tinha a suntuosidade que hoje ostenta nesta
província de Poti mais frívola, mas não deixava de ter o seu
charme e o poeta sabia exercê-lo. Não me lembro quanto tempo ele
ficou no cargo, mas sei que comandou muitos agitos por estas bandas,
apesar das mordaças da ditadura. Nestes trintanos tivemos uma meia
dúzia de encontros entre Recife e Natal e alguns telefonemas, quase
sempre altas madrugadas, ao gosto do poeta.
Aí,
em 1995, era março, me chega a sua carta que fui reencontrá-la,
agora, semana que passou, quando imaginava perdida de vez:
“Woden,
meu rei mago:
Uma
eternidade nos separa. Mas, não podemos reclamar. Mesmo quando eu
morava na sua casa, passavam dias, meses, e a gente não se via…
Finalmente,
estou lhe mandando meu livro Herdeiros da Rosa, que pertence a uma
fase intimamente natalense.
E
sonho que a Companhia Editora do Rio Grande do Norte me deve este
livro, porque o sistema off-7 da empresa foi comprado quando eu era
diretor responsável d’A República, na minha segunda passagem por
Natal, sendo Cortez governador. Inclusive convoquei e presidi a
comissão de concorrência, formada pelos diretores da Imprensa
Oficial de Pernambuco, Parque Gráfico do Jornal do Commercio de
Recife e Imprensa Universitária da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Os membros da comissão não se conheciam e a
votação unânime.
Feita
a concorrência (insisti que fosse uma impressora com dobradora para
livros), dei como terminada a minha missão em Natal.
Lá
no prédio da velha República existe a placa de inauguração sem o
meu nome, desde que a direção empresarial foi contra a minha
iniciativa.
Os
Herdeiros da Rosa é dedicado a dois potiguares que admiro: Ticiano e
Ney, que deviam ser mais festejados pelo povo e autoridades. Não são
homenageados como merecem porque pessoas de uma humildade de santo,
apesar da beleza dos deuses.
Bem,
você, Veríssimo, Luís Carlos e o gordo Sanderson estão intimados
a promoverem a impressão do livro.
Escrevi
para o Sanderson: “Queria que você e/ou Luis Carlos fizesse(m) o
prefácio… como motivação para escrever a história da poesia do
Rio Grande do Norte no período de sua estreia.
Finalmente,
outro pedido: E que a apresentação fosse (m) escrita por Woden e/ou
Veríssimo. Uma apresentação que servisse de pretexto para um
relato sobre a Imprensa potiguar nos tempos do velo de ouro que
antecedem a março de 64.”
Sei
que você anda velho, vivendo as corujadas de avô, mas ainda lhe
imagino com aquele fogo que assanhava as meninas…
Este
seu amigo sempre jovem e todo seu.
Talis
Rec/mar/95.
P.S.
Queria ver se era possível reunir os amigos na 5ª. Feira Santa ou
Domingo de Aleluia, na casa de Cláudio Marinho, em Ponta Negra (Ele
plantou nos jardins, cactos de sua fazenda).”
Abro
o livro de Talis. Nas duas primeiras páginas está escrito: “Os
Herdeiros da Rosa” – A Ney Marinho e Ticiano Duarte. // Este
livro foi iniciado após à morte de Berilo Wanderley e escrito nos
plantões das redações do Jornal do Commercio de Recife e Diário
de Pernambuco, no Recife // Finalmente concluído nas imediações da
rua João Berckmans Marinho, Ponta Negra, em março de 1995. Acredito
que retrata um pouco da boemia, do jornalismo e da poesia de Natal,
no final da década de 50 e começo da de 60. T.A.”
Na
página seguinte, duas epígrafes: “A cidade é uma construção da
natureza e particularmente na natureza humana. Uma tessitura que não
ignora os afetos.” (Gustavo Krause). “A cidade feliz não existe
mais” (Luis Carlos Guimarães).
*
Jornalista e colunista do jornal Tribuna do Norte de Natal/RN
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