segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Os herdeiros da rosa


* Por Woden Madruga


Na desarrumada caixa de papelão onde guardo uns jornais antigos por absoluta mania, encontro o pacote que há anos perdera e há muito tempo procurava. Foi um acaso feliz. Nele estava a cópia encadernada dos originais de um livro inédito do poeta Talis Andrade e que ele me mandara nos meados dos anos 90 do século passado. Junto com os poemas uma carta. Talis é poeta, jornalista e publicitário. Natalense-pernambucano-recifense.

Pernambucano de Limoeiro. Acho que sim, menino de Limoeiro do coronel Chico Heráclito, seu desafeto ideológico. Talis me falava muito de suas namoradas de Limoeiro. Vim conhecê-lo em Natal dos anos 50, apresentado pelo primo Márcio Marinho. Ficamos amigos de repente. Andávamos pelas redações dos jornais e pelos bares da vida naquela quadra entre os 18 e 24 anos de idade. Num nesses períodos veio morar em minha casa. Tínhamos um outro companheiro: Ronaldo Ferreira Dias. Lá se vai meio século. Talis fazia um suplemento literário em A República. Era no Governo de Dinarte Mariz.

Quando Aluízio Alves assumiu o governo, em 1961, Talis voltou para o Recife. Deambulou pelas redações de lá, Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco, metido em literatura, fazendo poesia, atravessando as pontes e se apaixonando por todas as namoradas. Meteu-se em agências de propaganda, assessorou governos, entre eles os de Gustavo Krause e de Paulo Guerra, trabalhando, com este, ao lado do hoje presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vinicius Villaça. No prefácio para um livro de Talis, “Cantiga para um ícone dourado”, Marcos Villaça, lembra dos tempos em que participava – ao lado de Talis – das reuniões da “Academia de Novos” da qual foram fundadores: “Ele um inacadêmico sem nunca ter sido, é óbvio, antiacadêmico. Nas sessões falava de autores indexados (pobres autores, tão inocentes!) e lhes mostrava os livros, tirados da robusta e de certo modo revolucionária biblioteca do pai; declamava Pound, mais balbuciando do que falando, na sua timidez invicta”.
Mais adiante, Villaça acrescenta:
Depois, estivemos de vez em quando juntos, como ao tempo do governo desse saudoso e admirável Paulo Guerra. Nossos gabinetes geminados, o meu sempre arrumado, o dele, a maior desordem palaciana. Ainda: novamente flagrado em vida pública, fiz com ele seminários de informação governamental, nada oficiais e sem espartilhos das conveniências tipo chapa-branca.”
O prefácio de Villaça é de 1977 quando foi publicado “Cantiga para um Ícone Dourado”, terceiro livro de Talis. Os dois primeiros são “Esquife Encarnado”, 1957, e “Poemas”, 1975. Em 1977 sairia o quarto, “O Tocador de Realejo”, todos publicados no Recife.
Começo dos anos 70, Talis voltou a Natal. Veio trabalhar no governo de Cortez Pereira. Foi em 1971, por aí. Era o secretário de imprensa de Cortez. O cargo não tinha a suntuosidade que hoje ostenta nesta província de Poti mais frívola, mas não deixava de ter o seu charme e o poeta sabia exercê-lo. Não me lembro quanto tempo ele ficou no cargo, mas sei que comandou muitos agitos por estas bandas, apesar das mordaças da ditadura. Nestes trintanos tivemos uma meia dúzia de encontros entre Recife e Natal e alguns telefonemas, quase sempre altas madrugadas, ao gosto do poeta.
Aí, em 1995, era março, me chega a sua carta que fui reencontrá-la, agora, semana que passou, quando imaginava perdida de vez:
Woden, meu rei mago:
Uma eternidade nos separa. Mas, não podemos reclamar. Mesmo quando eu morava na sua casa, passavam dias, meses, e a gente não se via…
Finalmente, estou lhe mandando meu livro Herdeiros da Rosa, que pertence a uma fase intimamente natalense.
E sonho que a Companhia Editora do Rio Grande do Norte me deve este livro, porque o sistema off-7 da empresa foi comprado quando eu era diretor responsável d’A República, na minha segunda passagem por Natal, sendo Cortez governador. Inclusive convoquei e presidi a comissão de concorrência, formada pelos diretores da Imprensa Oficial de Pernambuco, Parque Gráfico do Jornal do Commercio de Recife e Imprensa Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Os membros da comissão não se conheciam e a votação unânime.
Feita a concorrência (insisti que fosse uma impressora com dobradora para livros), dei como terminada a minha missão em Natal.
Lá no prédio da velha República existe a placa de inauguração sem o meu nome, desde que a direção empresarial foi contra a minha iniciativa.
Os Herdeiros da Rosa é dedicado a dois potiguares que admiro: Ticiano e Ney, que deviam ser mais festejados pelo povo e autoridades. Não são homenageados como merecem porque pessoas de uma humildade de santo, apesar da beleza dos deuses.
Bem, você, Veríssimo, Luís Carlos e o gordo Sanderson estão intimados a promoverem a impressão do livro.
Escrevi para o Sanderson: “Queria que você e/ou Luis Carlos fizesse(m) o prefácio… como motivação para escrever a história da poesia do Rio Grande do Norte no período de sua estreia.
Finalmente, outro pedido: E que a apresentação fosse (m) escrita por Woden e/ou Veríssimo. Uma apresentação que servisse de pretexto para um relato sobre a Imprensa potiguar nos tempos do velo de ouro que antecedem a março de 64.”
Sei que você anda velho, vivendo as corujadas de avô, mas ainda lhe imagino com aquele fogo que assanhava as meninas…
Este seu amigo sempre jovem e todo seu.
Talis
Rec/mar/95.
P.S. Queria ver se era possível reunir os amigos na 5ª. Feira Santa ou Domingo de Aleluia, na casa de Cláudio Marinho, em Ponta Negra (Ele plantou nos jardins, cactos de sua fazenda).”
Abro o livro de Talis. Nas duas primeiras páginas está escrito: “Os Herdeiros da Rosa” – A Ney Marinho e Ticiano Duarte. // Este livro foi iniciado após à morte de Berilo Wanderley e escrito nos plantões das redações do Jornal do Commercio de Recife e Diário de Pernambuco, no Recife // Finalmente concluído nas imediações da rua João Berckmans Marinho, Ponta Negra, em março de 1995. Acredito que retrata um pouco da boemia, do jornalismo e da poesia de Natal, no final da década de 50 e começo da de 60. T.A.”
Na página seguinte, duas epígrafes: “A cidade é uma construção da natureza e particularmente na natureza humana. Uma tessitura que não ignora os afetos.” (Gustavo Krause). “A cidade feliz não existe mais” (Luis Carlos Guimarães).



* Jornalista e colunista do jornal Tribuna do Norte de Natal/RN

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