Indefinível e marcante
“Amor
é um não sei que, nasce não sei onde, vem não sei como e dói não
sei porquê”. Esta declaração, convenhamos, é um primor de
ambiguidade, posto que tenha sonoridade impar. É agradável de se
ouvir. Tem musicalidade e muito ritmo. Seu autor, como confessa, não
sabe coisa alguma sobre o tema que trata, no caso, o amor. Desconhece
sua natureza (o quê?), sua procedência (onde?), forma de
manifestação (como?) e o motivo das consequências que gera, no
caso a dor (por que?).
Todavia,
declara tudo isso com tamanha graça e talento (e verdade, diga-se de
passagem), que o dito vem sendo repetido tempo afora e se perpetuou.
Esses versos foram escritos há praticamente meio milênio e volta e
meia vemos amantes e namorados repetindo-os, ora para fazer graça às
garotas que querem impressionar, ora para se consolarem de algum
fracasso amoroso, ora por qualquer outro motivo. Pudera! Foram
compostos por um gênio: Luiz Vaz de Camões.
O
que mais chama a atenção nestes versos do irrequieto lusitano,
todavia, nem é sua intrínseca ambiguidade. É o fato do poeta
associar amor à dor. Não há incompatibilidade entre ambos? Esse
sentimento não é o suprassumo da felicidade? Não é o paraíso que
tanto procuramos? Não, não e não. E as duas coisas não são
incompat6íveis. Muito pelo contrário, estão intimamente
associadas.
O
amor, salvo exceções (que honestamente não lembro quais), sempre
dói. Dói se correspondido e dói muito mais se frustrado. Dói
quando os amantes estão juntos e dói infinitamente mais quando
separados. Queiram ou não, concordem ou discordem, amor e dor andam
sempre juntos. E, mesmo sem sermos masoquistas, não apenas nos
resignamos a senti-la, mas a buscamos com afã e a queremos
constante. Dói por que? Camões confessou não saber. E eu sei muito
menos.
Todavia,
o prazer que o amor proporciona – físico e psíquico – supera em
muito a dor. Faz com que a ignoremos, como se não existisse e nunca
fosse possível. Stendhal escreveu a respeito: “Amar é retirar
prazer do ver, do tocar e do sentir um adorável objeto que nos ama,
através de todos os nossos sentidos e tão exclusivamente quanto
possível”. Tudo estaria bem se houvesse, sempre, essa
“exclusividade” mencionada pelo escritor francês. Se não
tivéssemos, por exemplo, que competir com ninguém pela pessoa
amada. Ocorre que... no terreno das possibilidades, podemos ter que
batalhar, e muito, por ela. Outras pessoas, sabe-se lá quantas e
quais, podem estar interessadas, e sentindo a mesmíssima atração,
pelo objeto do nosso amor. E mesmo que a amada nos mostre, sem
ambiguidades, irrestrita fidelidade e reciprocidade, há o permanente
risco do ciúme se instalar na relação. Se moderado, normal. Será
fator até de maior aproximação do casal. Se exacerbado... Nem é
bom pensar!
Um
dos erros que frequentemente cometemos é o de projetar nosso amor no
futuro ou de retroagi-lo ao passado, não raro quando sequer
conhecíamos a pessoa que amamos, para fazer-lhe cobranças de toda a
sorte, sobre o que fez, sentiu ou pensou. Isso é muito mais comum do
que se queira admitir. Todavia, com essa preocupação, deixamos de
usufruir o mais importante, o presente, ou não o fazemos com a
intensidade que poderíamos ou deveríamos.
Seria
de bom alvitre, porém, que prestássemos atenção ao que escreveu a
respeito Honoré de Balzac. Nos trinta e cinco livros de sua copiosa
“Comédia humana”, ele tratou de praticamente todas as
possibilidades e consequências desse sublime sentimento. E, a certa
altura, sentenciou: “O amor é a única paixão que não admite nem
passado nem futuro”. E não admite mesmo. A pessoa amada de hoje
pode, queiram ou não, ser a odiada de amanhã. Claro que o amor pode
sobreviver a todas as crises, cataclismos e mudanças físicas,
psicológicas e afetivas (mudamos a cada instante) e nunca se acabar,
enquanto os dois amantes viverem. Mas... Este “mas” é que é o
problema, concordam?
Pablo
Neruda tem um poema fantástico (e qualificá-lo dessa forma chega a
ser redundância, tal a qualidade da sua obra, que lhe valeu
justíssimo Prêmio Nobel de Literatura), em que diz, a certa altura:
“Já
não a quero, é certo, mas quando
a
quis, minha voz buscava o vento
para
tocar seu ouvido.
De
outro, será de outro, como antes dos meus beijos,
sua
voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos.
Já
não a quero, é certo, mas talvez a queira.
É
tão curto o amor, e é tão grande o esquecimento!”
Aproveito
o ensejo para partilhar com vocês um soneto de Antonio Callado que é
verdadeira raridade literária, embora já tenha sido publicado em
jornal, mais especificamente, no caderno “Folha Ilustrada”, da
“Folha de S. Paulo”, na edição de 2 de setembro de 2000. E por
que é raro? Porque foi escrito quando o autor tinha 17 anos. Foi
publicado pela primeira vez em 1934, no jornal estudantil “O
Ensaio” e divulgado anos depois pela Academia Brasileira de Letras.
Tu
e meu verso
Eu
quero que te vejas no meu verso
com
perfeição serena refletida,
como
a andorinha que no lago, imerso
vê,
gracioso, o seu vôo de partida.
Eu
quero que nas rimas tu respires
o
teu perfume a se evolar divino,
e
que se acaso a um verso meu sorrires,
vejas
que o verso... é o teu sorriso fino.
Quero
que a esbelta curva do teu talhe
'steja
na grácil curva do soneto;
e
que, sublime, no último terceto
presa
das rimas no custoso entalhe,
vejas
com doce espanto fulgurar
a
cristalização do teu olhar.
Voltarei
ao assunto, certamente, até para aproveitar esta ocasião festiva em
que o espírito de ano novo nos torna mais relaxados e predispostos a
temas mais amenos (ou que supostamente têm essa característica),
como é o amor que “é um não sei que, nasce não sei onde, vem
não sei como e dói não sei porquê”, como Camões nos assegurou,
há pelo menos meio milênio.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Manda mais que está ótimo!
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