domingo, 14 de janeiro de 2018

Educadores potenciais

* Pedro J. Bondaczuk

O educador tem tarefa das mais importantes, que não se limita a uma única pessoa, único grupo, ou única geração, mas que se estende por todos outros. Compete-lhe transmitir experiências, princípios, virtudes, comportamentos, descobertas e valores que se perpetuem e tornem as pessoas melhores, mais seguras, abnegadas, justas e solidárias. Sua missão não se restringe à simples transmissão de conhecimentos. Não se deve, pois, confundir o educador com o professor. O último pode exercer a tarefa do primeiro, não, contudo, com exclusividade. Há diferenças profundas entre educar e meramente instruir. E não se trata, só, de mero preciosismo semântico.

O educador caracteriza-se pelo desenvolvimento e consolidação de saudáveis e construtivos comportamentos – individuais e coletivos – nos educandos. Pais, mestres, sacerdotes, líderes comunitários, jornalistas, escritores etc. são, todos. educadores em potencial. E nem é preciso que o sujeito seja letrado para tal. Pode ser analfabeto, não distinguir o “o” do “u”, mas se contar com princípios de boa conduta e higiene e cultivar valores testados pelo tempo, exercerá essa missão com a mesma competência (ou, quem sabe, maior) do que a de um doutor, com dezenas de títulos acadêmicos.

Os educadores são os verdadeiros construtores do futuro quando exercem com consciência e assiduidade essa missão educativa. Quem exerce esse papel é o sublime semeador de esperanças, que lança, cotidianamente, sementes e mais sementes, no solo (nem sempre fértil) das mentes e dos corações dos futuros líderes. Carrol Lewis afirmou a respeito: “A tarefa do educador moderno não é derrubar florestas, mas irrigar desertos”. Ou seja, é transformar mentalidades estéreis e esturricadas em férteis e produtivos campos, em que brotem saudáveis florestas de solidariedade e de amor.

“Não cabe ao professor a tarefa de educar?”, perguntará, perplexo e um tanto confuso, o curioso leitor, convicto de que estou equivocado a esse propósito. Não estou. Pode, de fato, caber-lhe “também” essa missão, mas não se trata de sua função específica, e muito menos exclusiva, como o vulgo supõe. Afinal, o que vem a ser, de fato, um “professor”? Por definição, é o que “professa” alguma idéia, conceito, filosofia ou ideologia. Para melhor entendimento, é preciso recorrer ao dicionário. Escolhi o Michaelis de língua portuguesa (como poderia ter escolhido o Aurélio que daria na mesma), para esclarecer a questão.

O verbo professar, de onde deriva a palavra “professor” (o que professa), tem dez significados. Vamos a eles?

  1. Reconhecer ou confessar publicamente. Exemplo: professar uma doutrina ou uma opinião (Provou com obras a amizade que me professava).
  2. Ensinar como professor. Exemplo: professar matemática.
  3. Ter a convicção de. Exemplo: professar ideias fraternistas.
  4. Fazer propaganda de; preconizar. Exemplo: Professar a verdade e advogar o bem.
  5. Pôr em prática. Exemplo: Ele professa as idéias que prega.
  6. Exercer uma profissão; dedicar-se a uma arte. Exemplo: Professar a medicina.
  7. Abraçar ou declarar-se devoto ou adepto (de uma doutrina, uma religião, uma seita, um partido). Exemplo: Professa publicamente o cristianismo.
  8. Proferir votos, ligando-se a uma doutrina, a uma ordem religiosa, a uma religião. Exemplo: Professara no catolicismo. (“Não professaste, és livre, podes dar-lhe a mão” – Rebelo da Silva).
  9. Prometer, jurar. Exemplo: Professar amizade a alguém.
  10. Ter, manter (afeição, amizade). Exemplo: Salomão, com quem professas amizade (Mário Barreto).

Viram? Professor é o que faz tudo isso e não apenas, ou especificamente, o que ensina, instrui e eventualmente educa. Já o educador pode (e deve) ser você, ser eu, ser o padre da sua paróquia, o pastor da sua igreja, o escritor que lida com conceitos etc. etc.etc. Sua ferramenta é a persuasão, a capacidade de convencimento e, não raro, o exemplo. Afinal, nada do que se impõe pela força prospera, dura e produz bons efeitos de longo prazo. Em princípio pode, até, parecer que é eficaz. Não passa, todavia, de ilusão.

Educar, pois, não é impor, como até recentemente se pensava (muitos ainda pensam), mas é, sobretudo, convencer, conquistar corações e mentes e persuadir. O educador que não tem isso como norma não está preparado para essa magna tarefa. Tem que ser educado antes de pensar e de se propor a educar. Frank Clark constatou: “Pode-se levar uma eternidade para conquistar o espírito do homem pela persuasão, mas ainda assim é mais rápido do que conquistá-lo pela força”. Eu acrescentaria que não só é o meio mais rápido, como o único verdadeiramente eficaz. Se quem educa não tem argumentos para persuadir o educando da correção do que quer transmitir, é porque não tem convicção a respeito. Em vez de educar, reitero, precisa ser educado.

É verdade que é virtualmente impossível exercermos qualquer influência benéfica no comportamento social do mundo todo, por mais sábios e famosos que sejamos, dada sua vastidão confrontada com nossa pequenez, fragilidade, e efemeridade. Mas isso não é pretexto para a omissão. Se não podemos mudar comportamentos viciosos e daninhos da nossa cidade, Estado, país ou de um continente, podemos (e devemos) fazê-lo ao nosso redor: na nossa casa, nossa rua, nosso quarteirão ou nosso bairro.

Isso requer, antes e acima de tudo, sinceridade e dedicação da nossa parte. E, principalmente, ação. Ou seja, atitudes e exemplos. Simples palavras, desacompanhadas de atos, em nada resultam. O pensador japonês Daisaku Ikeda constata a propósito: “Quando uma pessoa é sincera na consideração pelos outros, mesmo nos assuntos mais banais, então poderá provocar uma modificação completa no mundo que a cerca”. Isto é, salvo raríssimas exceções, o máximo que podemos fazer. Façamos isso, no entanto, com constância, diligência e competência. E, sobretudo, com sinceridade. Não abramos mão do nosso potencial de educadores!



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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