domingo, 10 de dezembro de 2017

Over the rainbow


A literatura tem forma peculiar de abordar fenômenos naturais, como raios, trovões, arco-íris etc., e esta não tem, necessariamente, o rigor científico. Aliás, nunca tem. Opta por uma base, digamos, mais “democrática”: superstições, lendas, mitos e tradições populares. É a literatura, ou melhor, são os seus praticantes que não deixam que tais manifestações culturais morram na passagem das gerações. É com essa matéria-prima que escritores de talento, notadamente poetas (mas não raro também cronistas), elaboram textos encantadores que, sem a secura e o rigor de teses científicas, se tornam marcantes na vida dos leitores.

Tomemos, por exemplo, o arco-íris, que vi, dia desses, após forte aguaceiro aqui na cidade. Hoje em dia, até uma criança recém-alfabetizada sabe que se trata de um fenômeno naturalíssimo, de caráter ótico, mais especificamente, meteorológico. São as gotas de chuva funcionando como prisma que decompõe a luz do sol em seu espectro. Ou seja, nas sete cores que a compõem e que sem a decomposição não conseguimos distinguir: vermelha, laranja, amarela, verde, azul, índigo e violeta.

Todavia, por muito, muitíssimo tempo, por séculos e até milênios, o arco-íris foi visto sob outros olhares, não tão rigorosos ou, na verdade, nem um pouco rigorosos. Quando criança, por exemplo, ouvi os mais velhos dizerem que em suas extremidades havia potes de ouro enterrados. Claro que isso foi dito por pessoas muito simples, ingênuas, que diziam isso com tamanha convicção que se percebia que acreditavam piamente nisso.

Há muita gente que acredita nisso, a despeito da enxurrada de informações e da variedade (e facilidade) dos meios para obtê-las. Até hoje, desenhos animados repetem essa fantasia que não são apenas as crianças que crêem, mas muitos marmanjos também.

Para três religiões – cristianismo, islamismo e judaísmo – esse arco luminoso e multicolorido tem, até hoje, conotação mística. Seria o “selo” comprobatório do compromisso assumido por Deus após o dilúvio de que jamais voltaria a destruir a Terra com inundação como aquela. E ai de quem ousar contestar isso!

Há, ainda, uma infinidade de crenças, de povos nos mais variados estágios de civilização, envolvendo esse fenômeno ótico, que pode, aliás, ser reproduzido por qualquer um em seu próprio jardim, valendo-se de reles mangueira de água. Mas cada qual acredita no que quer. E quando tais crenças estão muito arraigadas, de nada vale a palavra de bom-senso do cientista. Vale mais a fantasia do poeta. Da minha parte, sem ignorar a primeira, delicio-me com o encanto da segunda. Dou asas à imaginação e saio à procura do meu pote de ouro (no caso, a tal da felicidade), “over the rainbow”. Ou seja, sob o arco-íris.

Pesquisei textos e mais textos literários tendo como tema esse magnífico fenômeno ótico. Encontrei um pouco de tudo. Tive acesso a contos, novelas, a um ou outro romance e até a uma tese de pós-graduação. Neste caso, é a de Eulício Farias de Lacerda, que ele defendeu diante de uma banca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, intitulada “As filhas do Arco-Íris”. Aborda, sobretudo, mitos, lendas e contos populares como elementos estruturantes do romance.

Crônicas, a respeito, encontrei em profusão. Raros foram os cronistas de maior prestígio que não citaram, em alguma ocasião, o arco-íris ou que não se estenderam em considerações a esse respeito. Claro que o gênero em que se explorou mais e melhor o assunto é a poesia. Selecionei, entre centenas de poemas que li, três, para partilhar com vocês. Não são de poetas muito conhecidos, mas são excelentes.

O primeiro é de Talia (pseudônimo com que a poetisa Vanda Paz assina seus poemas), que compôs estes belíssimos versos, intitulados “Arco-íris”:

Salto de risca em risca
num novo arco-íris.
Perco-me no azul,
solto as minhas lágrimas,
salgadas/e encho o mar.
Abraço o violeta,
perco a esperança,
não chego ao verde…
Deixo a angústia do amarelo
sufocar-me…
Perco o sonho
quando fico pelo roxo.
Sigo a tristeza do anil…
Lembro-me de ti
no vermelho… e choro…”

Gostaram? Eu também!

Outro poema sobre o mesmo assunto é este, intitulado “Sonho de criança”, de Úrsula Vairo Maia:

Nas cores do arco-íris
eu quero escorregar
cair no centro da Terra
sobre o magma surfar
sem o perigo de me queimar.
Colher estrelas-do-mar
em cavalos marinhos cavalgar
na companhia de mil passarinhos
escalar montanhas e cruzar oceanos
construir em árvores muitos ninhos
Brincar de bambolê
com os anéis de Saturno
pelo universo dar um rolê
vagando sem rumo
Quero saltar sobre águas vivas gigantes
brincar de pique-esconde
atrás dos elefantes
Atravessar nebulosas
colher nos jardins do céu
lindas rosas
rosas que exalam
o perfume da esperança
rosas de cor branca
como a pureza da criança”


Finalmente, selecionei mais este poema, intitulado “Esta manhã”, de Leandro Teixeira de Carvalho, para ilustrar a presença do arco-íris na literatura, notadamente na poesia:

Esta manhã está para lembranças,
céu de Monet,
palavras de Shakespeare.
Está para rostos felizes,
corações em festa,
olhos de paixão.


Esta manhã está para a música dos pássaros,
voz de criança,
esperança guardada no espelho,
reflexos de ontem.


Esta manhã está para o perfume da vida,
arco-íris,
saudades à flor da pele,
doces horas que se foram.


Esta manhã está para você,
braços que envolvem,
bocas que se tocam brincando de amor,
silêncio de mãos que se perdem apaixonadas.


Esta manhã está para a manhã do sol,
carícias que relembram,
marcas que ficaram,
dias que não voltam mais”.

A conversa está boa, mas agora vocês vão me dar licença, que vou sair em busca de uma das extremidades daquele arco-íris que vislumbro no horizonte – conhecido, também, pelos nomes de arco-da-velha (daí essa expressão tão popular para se referir a algo insólito), arco-celeste, arco-da-chuva e arco-da-aliança – na tentativa de encontrar, se não um pote cheiinho de ouro (eu não saberia o que fazer com esse metal), algo que, para mim, é mais precioso e duradouro: a inspiração, a beleza e, por consequência, a felicidade.


Boa leitura!


O Editor.

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