domingo, 12 de novembro de 2017

Urgência de irmã


Por Celamar Maione


Sexta feira. Final de tarde, Iracema pegou a bolsa para sair do salão de beleza onde trabalhava no Centro da Cidade. O celular tocou. Iracema abriu a bolsa rapidamente, pegou o celular, viu o número. Era a irmã dela, Ieda:
-Iracema, está indo para a casa agora?
-Sim, a última cliente desmarcou e eu também não estou me sentindo bem, por que?
-Preciso lhe contar uma coisa. É urgente.
-Tá bom, fala logo. O que é?
-Não posso. Por telefone não dá. Tem que ser pessoalmente. Eu estou saindo do trabalho e passo aí.

Iracema tentou argumentar. Queria ir para casa. Amanhã não trabalhava, já que o salão era no Centro, mas tinha clientes para atender em casa. E ainda tinha que fazer o jantar das crianças, do marido.
A irmã insistiu. Tinha que ser naquela hora. Iracema ainda tentou dar uma idéia:
-Faz o seguinte. fala amanhã. De noite você vai lá em casa.
Ieda gritou :
-Não! Deus me livre! Na sua casa, não! De maneira nenhuma! Já guardei muito isso comigo. Tenho que lhe falar hoje. Agora. Já!

Iracema começou a ficar preocupada. O que seria de tão grave que a irmã tinha para falar? Iracema respirou meio contrariada e aceitou se encontrar com a irmã num bar na Praça Quinze. Quando chegou, a irmã já estava sentada bebendo uma cerveja. Iracema se aproximou da mesa, puxou a cadeira e foi logo dizendo:
-Vamos, anda logo, fala, não vai dar para demorar.
-Calma, vamos tomar uma cerveja, relaxar, você vai precisar. Não tenha pressa.
Iracema perdeu a paciência:
-Ou você fala ou eu vou me embora e a deixo aqui sozinha. Acho que você tá é maluca.
-Eu estou sem coragem de falar. Estou bebendo um pouco para tomar coragem. Você vai ficar triste.

Iracema tentou adivinhar:
-Você está com câncer? Se apaixonou por uma mulher? Seu marido é...
-Pior, pior, vamos, vamos embora. No ônibus lhe conto tudo. Vamos.

Pagou a cerveja e puxou a irmã pelo braço. Saíram apressadas. Pegaram o ônibus cheio na volta para a casa. Moravam em Nilópolis Foram em pé. Iracema reclamou:
-Tá vendo só? Demoramos e agora olha esse ônibus cheio! Ter que ir nesse ônibus apertado. Mas fala, o que você queria falar? Dá para falar agora?
O motorista corria. Os passageiros iam de um lado para o outro se segurando para não cair. “Engarrafamento, início de noite, sexta-feira, Avenida Brasil, tinha começado a chover, era o caos”, Iracema pensou . Decidiu pressionar a irmã:
-Fala! Pelo amor de Deus, fala aqui mesmo!

A irmã então tomou coragem. Só que assim que Ieda começou a falar, passou uma moto com o cano de descarga solto, fazendo um barulho ensurdecedor. Iracema gritou:
- Não escutei. Fala mais alto.
Ieda encheu o pulmão e gritou:
SEU MARIDO TEM UMA A-M-A-N.T-E. É DO TRABALHO DELE. TEM UMA AMANTE.

O ônibus ficou em silêncio. Todos os passageiros olharam para a cara de Iracema. Alguns procuravam saber quem era a mulher traída
-Quem é? Marido de quem tem amante? Me mostra.

Iracema ficou sem graça. Branca, verde, seus lábios tremiam, não sabia se era por causa da amante do marido ou por causa da irmã que parecia um carro sem freio e contava a história da amante para todo mundo ouvir no ônibus sem parar:
-Eu vi os dois entrando num motel. Corri atrás para investigar, você sabe como eu sou, e ...

Iracema não queria ouvir mais nada. Disfarçava. Fingia que não era com ela. Pediu licença aos passageiros, foi se chegando para a porta de saída. Deixou a irmã falando sozinha. Desceu em qualquer ponto da Avenida Brasil. Zonza. Andava de um lado para o outro. Nem se importava com a chuva caindo. Pensou muito. De repente, um sorriso iluminou o rosto de Iracema.
Pegou outro ônibus. Quando chegou em casa, o marido esperava Iracema com ar de preocupação:
-Mulher, seus filhos estão preocupados. Liguei para o celular da sua irmã, ela me disse que vocês se perderam no caminho. Seu celular fora de área. O que aconteceu?
Iracema, cheia de carinho na voz, parecendo uma gata no cio, respondeu:
-Nada, amor. Estava só pensando numas coisas aqui. Que tal amanhã a gente fazer um programa diferente? Um motel?!
O marido estranhou o convite, assim, de uma hora para outra, mas adorou a idéia e aceitou meio encabulado, meio desconfiando. Sábado à noite, deixaram as crianças na casa de uma amiga de Iracema e passaram a noite num motel. Na segunda-feira, quando Jorge chegou em casa, a esposa esperava por ele com um jantar à luz de velas. Jorge e Iracema nunca foram tão felizes.

O marido correspondeu à nova fase da mulher. Eram presentes, passeios, cinemas, jantares. Telefonemas fora de hora. Nem no início do namoro viveram esse idílio amoroso.

No meio de toda essa felicidade, Iracema impôs uma única condição ao marido: nunca mais queria ouvir o nome da irmã em casa.

Descartou qualquer gesto de aproximação. Quando Jorge, sem entender nada, já que as duas sempre foram tão amigas, perguntava o motivo, Iracema respondia, raivosa:
- É uma cobra cascavel! Sempre teve inveja de mim! E ponto final.

Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário