terça-feira, 14 de novembro de 2017

Uno

* Por Eduardo Oliveira Freire

F acordou estranho, teve um pressentimento de que algo lhe aconteceria. G sentiu a mesma coisa. F era perdido. G era achado desde nascença.

Apesar de diferentes tinham algo em comum: sentiam-se incompletos e procuravam algo que os completasse.

Na cidade, os dois se encontraram. Olharam-se e se reconheceram. Eram iguais, feitos do mesmo barro. No primeiro momento tiveram medo.

Lembraram-se de uma lenda muito antiga que a família de ambos contava: Doppelgänger, segundo a lenda, é um monstro ou ser fantástico que possui o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa que ele escolhe ou que passa a acompanhar. Ele copia  tudo, até mesmo as características internas mais profundas do indivíduo.

 Mas, a curiosidade de G e F foi mais forte e, também, perceberam que apesar de serem iguais na aparência, eram diferentes na essência.  Na realidade, os dois espelhavam o que idealizavam ser. G queria ser bem sucedido como F aparentava e F aspirava ter a autenticidade que G espelhava.

G:- Olá cara, que doideira é essa?

F: -Não sei, mas não estou surpreso, parece que já o conheço.

G: -Eu também, como se você fosse minha extensão.

F: -E você a minha.

G:- Vamos dar uma volta.

Atravessaram a cidade e nem perceberam os olhares curiosos das pessoas.  Entravam num terreno misterioso e as pessoas que os viam, sentiam isso. Eram dois que se tornavam um, aproximando-se da totalidade quase divina, que se satisfaz em si. Narciso foi punido por isso: bastava-se. Conclusão: foi punido pelos Deuses. Várias mulheres e ninfas apaixonaram-se por Narciso. Mas ele não gostava de nenhuma delas. A ninfa Eco não aceitou a indiferença de Narciso e afastou-se amargurada para um lugar deserto, onde ficou muito exaurida. As moças recalcadas pediram aos deuses para vingá-las.

G e F ouviram uma sirene. De repente, os transeuntes começaram a se juntar perto deles, com rostos de ameaça e gritavam pela polícia.

Fugiram pela rua, até encontrarem o carro de G. Não tinham para onde ir. Ao celular a família de ambos gritava com eles, dizendo que estavam condenados para sempre. F resolveu ir para casa da avó. Lá, a senhora estava na porta esperando por eles.

- Entrem, o lanche está na mesa. Precisam comer um pouco.

Devoraram tudo e ficaram num silêncio tranquilo. A senhora olhou através da janela o final da tarde:

- Precisam ir. Os outros chegarão rapidamente.

F. : - Por que nos perseguem?

A senhora: - Vocês entraram em um espaço mítico.

G.: - Senti isso quando vi você, F. Nada será como antes.

F.: - Realmente, precisamos nos apressar.

Na estrada, os dois dentro do carro viviam uma comunhão. Estavam serenos e não desejavam mais entender, apenas conviver com o mistério. Ao se aproximarem de uma curva fechada, foram envolvidos por uma neblina esverdeada e desapareceram.

A avó de G. parou de regar as flores:

Finalmente, ficarão bem”.


* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/




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