Vida mudern@
* Por
Marcos Alves
Conheço um bocado de gente
que vive reclamando de celular. Essas maquininhas diabólicas são
capazes de incomodar até as pessoas mais reservadas, que acabam
sendo convencidas a comprar um aparelho, para que possam ser – oh,
tristeza, localizadas.
Privacidade, onde estás? Hoje
ninguém mais tem sossego com esses aparelhinhos apitando no bolso,
na bolsa, no porta-luvas, em tudo que é canto. Mas nada se compara,
em termos de aborrecimento, com o momento em que ligamos para a
operadora para reclamar do serviço.
É um labirinto de
incompetência onde o sujeito conversa com 4 ou 5 pessoas – o jogo
de empurra é interminável, e não resolve absolutamente nada! O tom
do atendimento é absolutamente impessoal: começa com uma gravação
que explica em quais teclas terei a resposta que procuro. “Se você
já é cliente, tecle1; se não é cliente, tecle 2, se é sobre
celular, tecle 3....” e por aí vai.
Isso quando não temos que
dizer ao telefone o que queremos, como se estivéssemos em um país
exótico, tendo que soletrar cada palavra. Isso mesmo, temos que
falar com o robô do outro lado o que nos aflige.
Eu não sei de onde importaram
isso, mas é esquisito demais, e no Brasil fica ainda mais engraçado.
Consigo imaginar no Japão ou outro país distante com gente afeita a
conversar com máquinas – mas não aqui.
Aperto a tecla que diz que vou
ser atendido por gente de verdade, “um de nossos atendentes”, e
suspiro aliviado quando ouço “Pois não, senhor?” de alguém de
carne e osso do outro lado da linha. Nesse momento, ainda calmo e
paciente, acredito sinceramente que conseguirei resolver o problema.
Mas a moça não vai conseguir
resolver. Não está ao alcance dela, aliás pouquíssimas decisões
podem ser tomadas por esse pessoal do “Call Center”. Nome sonoro,
anglo-saxônico, que não faz a menor diferença na vida do coitado
do assinante, cliente, ou seja lá como os “Call centers” nos
conhecem. Acho que depois de desligar eles nos chamam de babacas
mesmo, aqueles que compraram o telefone e aderiram ao plano do qual
vão se arrepender inutilmente mais tarde.
A moça transfere a ligação,
fico ouvindo a gravação da operadora por mais algum tempo. Outra
pessoa atende e diz: “Eu vou estar transferindo a ligação para o
setor responsável, é só aguardar.” Essa frase detestável é
dita por alguém com voz de autômato do outro lado da linha. Segue
um tempo indescritível, coisa de 3 ou 4 minutos, em que vaza uma
gravação dizendo que a ligação é muito importante e que um dos
atendentes não vai demorar para atender. Nessa brincadeira já se
passaram mais de 15 minutos, desde que decidi ligar para reclamar.
Finalmente alguém atende. ‘Em
que posso ajudá-lo, senhor?” Eu explico pela enésima vez que
preciso mudar de plano, comprei há 6 meses e há pouco tempo fiquei
sabendo que é 3 vezes mais caro que o de uma amiga, com as mesmas
vantagens, preço etc.
Adivinha? O sujeito pede para
eu aguardar. Volta aquela musiquinha irritante, eu já querendo
desligar, quase vencido pelo cansaço. Minutos depois (já foi quase
meia hora de “negociação”) sou informado que não posso mudar
de plano. E que, se optar pelo cancelamento, vou pagar multa! Isso
mesmo: ou eu fico com eles ou terei que pagar multa, algo assim como
um divórcio com pensão alimentícia.
Fico bravo, xingo, digo que
aquilo é absurdo e que, embora o atendente não tenha culpa de fazer
aquele trabalho de merda. A empresa engana o consumidor, e ele é
pago para ficar ouvindo impropérios como os que eu disse sem poder
fazer nada para resolver o problema.
Não à toa, as operadoras de
telefonia lideram o ranking de reclamações nos procons, Brasil
afora. Colocam um exército de telefonistas sem a mínima autonomia
para ouvir o cliente, mais nada. Apenas ouvir e depois re-pe-tir o
mesmo texto, sistematicamente sabe Deus a que custo emocional, que eu
já estava às turras. Pode ser um caso de saúde pública,
sabidamente há perdas dos dois lados.
O atendente me pergunta se é
só isso. Eu digo que é, não há nada a fazer. Ele começa a ditar
um número enorme, diz que é o número do protocolo. Protocolo para
quê, meu Deus? Ele me diz que é praxe. Toda reclamação tem
protocolo.
É claro. A picaretagem se
alimenta pela burocracia. O serviço mal-feito que se garante em
cláusulas duvidosas de um contrato unilateral baseado em uma
gravação telefônica – exatamente o negócio deles! Essa conversa
tinha que terminar mesmo com um número de protocolo. É a cara do
nosso país.
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Marcos Alves é jornalista e diretor de vídeos.
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