quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Relacionamentos amorosos através dos tempos


* Por Mara Narciso
 
A minha mãe ficou casada por três décadas e era uma pessoa descrente do casamento e do amor. Dizia: quando a mulher se casa, a família e os amigos a levam, porém quando se separa, vai sozinha.
 
Pouco sei do casamento dos meus bisavós maternos. Foram eles Jason Gero de Souza Lima (1872) e Florisbella Queiroga. Ela era corajosa e defendia o marido através de seguranças da fazenda, chamados “jagunços”. Tiveram uma penca de filhos e criaram 13 até a idade adulta. Nome de rua, Jason Gero era comerciante poderoso, comprava diamantes, importava madeiras que vinham de trem, e era dono da Fazenda Lagoa da Barra. Morreu perto dos 60 anos, em consequência de dose dupla de medicamento para asma. Sua esposa nada sabia dos seus negócios, que evaporaram com sua morte.
 
Meus avós maternos Petronilho Narciso e Maria do Rosário de Souza Narciso, namoravam e nisso tinham a desaprovação do pai dela. Pouco tempo depois do sepultamento de Jason Gero, vovó, com 21 anos e vovô com 24 se casaram em quatro de outubro de 1931. Com todo o cerco do namoro proibido, concretizado no casamento, ainda assim meu avô foi infiel. Tiveram 11 filhos. A minha avó o perdoou décadas depois, mas não se esqueceu. Apenas a morte dela os separou, após 55 anos casados. Dos nove filhos que chegaram à idade adulta, apenas quatro não se separaram.
 
Meus pais Alcides Alves da Cruz e Maria Milena Narciso Cruz se casaram em 12 de dezembro de 1953, ele, aos 24 anos e sem amor e ela, aos 19, cheia de ilusão. Viveram juntos por 31 anos, Milena envolta em sentimentos hostis de indiferença e opressão. Ela, na prática da submissão, ele no mando, tiveram quatro filhos. Meu pai deu mostras de vida dupla. Quando minha mãe comprovou, dez anos depois do acontecido, ficou irredutível. Rompeu o casamento e nem laços de amizade quis.
 
Eu me casei aos 22 anos, apaixonada por Flávio Rocha Silveira, com 28 anos, em 15 de dezembro de 1977. Ficamos casados durante 29 anos, mas acabou. A nos unir, permaneceu Fernando, o nosso filho. Separamos e não mantivemos amizade.
 
Hoje, com as redes sociais, os casais se formam, se transformam, se deformam, se maltratam e se separam com a velocidade de um toque na tela. Na vitrine virtual Facebook fica-se sabendo quem está temporariamente com quem. Ao se mudar o estado de relacionamento, os olhares dos amigos/contatos se voltam para o casal desejando felicidades. Como a inveja é um sentimento generalizado, é comum que olhares “seca pimenteira” ajam tirando energia do casal, como também o afeto que porventura sintam. Logo se dá o rodízio das cadeiras, e um novo casal se forma. Por favor, pegue a sua senha.
 
Nesse mundo pequeno, assombrações do passado e até mesmo do futuro se fazem presentes, e em nome de não ficar só, tenta-se um replay, mas o amor é o grande perdedor. Conheci casais de gente comum, que namoraram anos e, depois do casamento ficaram juntos apenas alguns dias.
 
Juntar duas almas debaixo do mesmo teto é prova para maratona. Hoje, poucos se sujeitam à tolerância e ao sacrifício. O convívio do dia a dia, quando um dos dois não se anula ou ambos querem seu lugar ao sol, é um desafio para santos. A prova de fogo começa na lua-de-mel, no espaço exíguo de um quarto. Caso não se irrite nesse curso intensivo, é indício de que o casamento poderá durar.
 
Revendo a história da família, com irmã e primas que já se casaram três vezes, mesmo não tendo formação para analista comportamental, procuro entender o motivo dos casamentos antigos começarem sem amor e se arrastarem por 50/60 anos e a razão dos de hoje começarem apaixonados e existirem apenas por meses.
 
Fique alerta ao tempo, pois em dois anos o que for paixão se acaba. Ela poderá se transformar noutro sentimento, mas, afinal, onde mesmo foi parar o amor?


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



Um comentário:

  1. Realmente, Mara, é paradoxal essa realidade que você constatou - sucintamente formulada no penúltimo parágrafo... Que se manifeste quem tiver uma explicação!

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