quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Mobilidade do tempo


* Por Pedro J. Bondaczuk


O tempo transforma, profundamente, tudo e todos e, principalmente, os que escolhem caminhos errados e desperdiçam estupidamente suas vidas. O arrogante, por exemplo, ao cabo dos anos, faz-se humilde, ao se dar conta que não é tão importante como pensava, que nunca foi ou será o centro do mundo, como julgava que fosse. A dura realidade se encarrega de derrubar sua crista.

O idealista, por seu turno, torna-se cínico, quando percebe quão pífio e vazio era aquele ideal que julgava revolucionário ou que, pelo menos, dava a entender aos outros que mudaria o curso da história. É possível enganar os outros por muito tempo ou, até, em determinadas circunstâncias, o tempo todo, mas jamais conseguiremos enganar para sempre a nós mesmos.

Finalmente o crente, que abraçou crença errada, passa a descrer de tudo e de todos e se transforma em empedernido céptico. Há crenças que são nitidamente meras superstições. Às vezes tarda para que cheguemos a essa conclusão, que para a maioria é óbvia, mas lá um belo dia, quando menos esperamos, a “ficha” cai.

Daí a importância da adoção de valores adequados e de metas factíveis para nossas vidas. Compete-nos valorizar adequadamente o que, de fato, é importante, e descartar o inócuo, o fútil, o supérfluo e, por conseqüência, o desnecessário. Não é, todavia, o que fazemos na maioria das vezes. Não raro, carregamos, vida afora, toneladas de “lixo”, evidentemente inútil, que não nos servem para coisíssima alguma, em momento algum, e que só nos atrapalham.

A atitude mais inteligente é a de sermos humildes sem nos humilharmos; idealistas, mas com os pés no chão, e crentes, mas no racional e no transcendental. Outro equívoco em que geralmente incorremos é o de deixamos de valorizar adequadamente alegrias, que julgamos pequenas, e sucessos, que entendemos como pífios e banais.

O tempo, contudo, se encarrega de repor as coisas em suas devidas proporções. Passados anos, nos damos conta que aquelas amizades, por exemplo, a que não soubemos dar o devido valor, eram grandiosas e essenciais. E o oposto, por sua vez, também ocorre. Ou seja, descobrimos, atônitos e desolados, que aquela pessoa que julgávamos amiga incondicional era, na verdade, oportunista, ou falsa ou o que o povão denomina de “traíra”.

Concluímos, por outra parte, que as satisfações que entendíamos como ínfimas, foram os momentos mais marcantes das nossas vidas, que não soubemos, por erro de enfoque, usufruir devidamente.. E então nos frustramos diante da nossa cegueira. Mas então é tarde. O tempo é irreversível. Não podemos, claro, retornar ao passado e viver novamente, agora de forma adequada, os acontecimentos que não soubemos valorizar.

O mais sábio e mais sensato é valorizarmos cada alegria e cada êxito do nosso cotidiano (mesmo que nos pareçam pequenos e banais) como magníficas ocorrências e extraordinários feitos, tendo sempre em mente as inspiradas palavras do poeta Virgílio, que num dos versos do Livro Primeiro, da epopéia “Eneida”, colocou esta observação na boca de um dos personagens: “Talvez um dia será agradável recordar estas coisas”. Ironicamente, salvo raríssimas exceções, sempre é.

Finalmente, outro aspecto que trago à reflexão do paciente leitor, nestas descompromissadas divagações, refere-se à forma com que marcamos o tempo – na verdade uma abstração, uma convenção que criamos para organizar nosso cotidiano. Sua medição caracteriza-se por extremos. Pode ser longa ou curta, rápida ou lenta, infinitamente pequena ou infinitamente grande.

O importante, contudo, não é a dimensão do tempo, mas a maneira que o utilizamos. Há os que dedicam horas e horas, dos anos produtivos de sua vida, ao trabalho, em detrimento de atividades como o amor, as amizades, a família, o lazer e tantas outras. O resultado, invariavelmente, é a frustração.

Trabalhar, sem dúvida, é importante, mas não tanto quanto viver. Virtude em excesso acaba se tornando defeito. Moderação é o grande segredo para tudo na vida. Gosto, por exemplo, de doce de leite, que me agrada o paladar quando o consumo em pequenas porções, na sobremesa. Caso coma um tacho inteiro, no entanto, certamente terei uma devastadora diarreia. E nunca mais vou querer provar essa delícia, que, para mim, passará a ser veneno.

Há, claro, pessoas que descambam para o outro extremo (e, convenhamos, em muito maior quantidade do que os chamados “workaholics”). Entregam-se ao ócio, à inércia, à preguiça, à vagabundagem explícita e se anulam. Outros, ainda, divertem-se quanto podem, mas negligenciam atividades mais nobres e prazerosas. Também se tornam candidatos mais que certos ao fracasso e às desilusões.

A verdade é que temos o péssimo hábito (salvo honrosas exceções) de adiar para amanhã o que pode ser feito hoje. Mas não se trata só de trabalho, mas de amores, de amizades, de relacionamentos de todas as naturezas etc. Achamos que temos à nossa frente todo o tempo do mundo, quando, na verdade, ele é escasso, ínfimo, reduzidíssimo, quase que como mero piscar de olhos.

Adiamos, por exemplo, aquela declaração de amizade, ou de amor, a alguém que nos é muito caro e, subitamente, sem que nos venhamos a dar conta, nos vimos afastados dessa pessoa tão querida, por alguma das tantas contingências da vida. Deixamos para as calendas aquele romance que pretendíamos escrever, aquela tela que planejávamos pintar ou aquela canção que prometemos compor. E essas obras, via de regra, jamais se concretizam. Ficam, apenas, no nebuloso plano das intenções.

Marcel Proust, no livro “Em busca do tempo perdido”, coloca a seguinte verdade na boca de um dos personagens: “Teoricamente sabemos que a Terra gira, mas nós não percebemos: o solo que pisamos não parece se mexer e vivemos tranqüilos; o mesmo acontece com o tempo de nossa vida”. Sejamos, pois, amáveis, determinados, alegres e felizes hoje. Afinal, ninguém nos garante que ao menos teremos um amanhã! Simples, não é verdade?

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk



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