terça-feira, 5 de setembro de 2017

Verdade e falsidade


A verdade existe por si só e não requer testemunhas ou porta-vozes para que exista. As coisas são como são, independentes de descrições ou interpretações. É algo muito óbvio e, no entanto, gera tantas controvérsias e se presta a tanta retórica. Thomas Hobbes foi sumamente feliz ao constatar que “onde não há linguagem, não há verdade nem falsidade”.

Digamos que eu veja determinado objeto e este tenha a cor azul. Se eu disser, a quem não o viu, que ele é verde, dependendo da convicção que colocar em minhas palavras e da credibilidade de que goze, certamente serei acreditado.

Falseei, logicamente, uma descrição. Disse do objeto aquilo que ele não é. A falsidade, porém, será minha, não da coisa descrita em si. Ela continuará sendo azul diga eu o que disser a seu respeito. Não dissesse nada, e deixasse que o interlocutor verificasse por si só, o “falso” não existiria. Passa a existir a partir das minhas palavras, isto é, da “linguagem” com que nomeei o dito objeto.

Filósofos, teólogos e escritores afirmam, desde os primórdios da civilização, que sua meta e objetivo são a busca da “verdade”. Apontam-nos caminhos que, ao cabo de algum tempo, a realidade comprova serem equivocados e ruins, como no exemplo que dei acima do objeto azul. E o que é a tal “verdade”, tão apregoada, mas jamais definida com precisão?

Cada qual julga ser seu possuidor. Todavia, ninguém, de fato, chegou sequer perto dela. A maior parte do que é considerado “verdade” não passa de mero conjunto de teorias, passivas de serem desmontadas, e de especulações, quase nunca comprováveis ou que, quando são, se revelam mero conjunto de sofismas e engodos. Ironicamente, são justamente os maiores mentirosos que se arrogam em donos da verdade.

Ela, em si, reitero, existe cristalina, rigorosa, absoluta. A linguagem, porém, distorce-a, polui-a, deturpa-a. O ensaísta Henry David Thoreau constatou que “é preciso duas pessoas para falar a verdade – uma para falar e outra para ouvir”. Ou seja, para servir de testemunha do que foi dito. E mesmo assim... ambos podem estar equivocados ou mal-intencionados. Tanto quem a diz, quanto quem a ouve.

São raras as verdades absolutas, aceitas unanimemente sem contestação, dadas sua lógica e clareza. A maioria dos conceitos tidos como verdadeiros por uns, é contestada por outros, e isso vale tanto em questões de moral, quanto de comportamento, de ciência, de arte etc.

Muitos princípios científicos, por exemplo, tidos, por longo tempo, como exatos, um dia são derrubados por novas descobertas. Por milênios os homens acharam que a Terra fosse plana e que o sol e as estrelas giravam ao seu redor. Hoje, qualquer criança recém-alfabetizada sabe que isso não é verdade. Antes das pesquisas de Louis Pasteur, os doutos homens de ciência criam em geração espontânea. Hoje qualquer um sabe que isso é totalmente impossível e que somente um ser vivo tem condições de gerar outro da mesma espécie.

Muitas das ações consideradas morais (não confundir com legais), em passado não muito distante, hoje são tidas como o oposto, e vice-versa. Uma delas? A escravidão! O jornalista e filósofo francês, Raymond Aron, declarou, a esse propósito: “Por que se representa a verdade nua? Para que cada um a vista como lhe pareça”.

Diz o povo, em sua instintiva sabedoria, “que a verdade dói”. Nem sempre. E depende o que se entende como tal. Há verdades que enobrecem, santificam e fazem justiça. Isso, contudo, desde que vividas, testemunhadas, sentidas, jamais ouvidas de alguém.

A linguagem tende a poluí-la com resquícios de falsidade, de fantasias, de especulações mesmo que mínimos, ou ínfimos. Pior é quando a retórica lhe confere “verossimilhança”, o que a torna mais perigosa. Ou seja, faz o falso parecido, parecidíssimo com o verdadeiro, mas a verdade é só “metade” ou menos dele. E queiram ou não, essa é a pior e mais perigosa das mentiras.

Boa leitura!


O Editor.

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