Psíquico e epidérmico
Nenhum
sentimento é tão intenso e afeta a totalidade do nosso ser – ou
seja, coração, corpo e alma – quanto o verdadeiro amor, quando é
correspondido e levado às últimas conseqüências pelos parceiros.
Promove o máximo do contato psíquico (o que nenhum psiquiatra
consegue fazer embora seja seu objetivo) e o maior dos prazeres
físicos, de forma absolutamente inigualável.
Nem
a fé, nem a esperança, nem o medo, nem o ódio nem qualquer outra
emoção, positiva ou negativa, conseguem essa simultaneidade e
totalidade de sensações e reações. Daí ser estranhável o fato
de muitas pessoas fugirem do amor, de medo de se ferirem. Por esse
delírio, por essa magia, por esse encantamento valem quaisquer
riscos, ferimentos, empenhos e sacrifícios.
Meus
críticos gratuitos me acusam, amiúde, de abordar com “irritante”
freqüência esse tema, sem que lhe acrescente nada de novo, que já
não tenha sido dito ou escrito por alguém, em algum lugar ou em
algum tempo. Até certo ponto, têm razão. Os amigos mais íntimos,
por sua vez, brincam comigo dizendo que devo estar perdidamente
apaixonado, para escrever tanto sobre o amor. Também estão certos.
Aos
que me criticam, respondo que esse é o tema mais abordado (e menos
compreendido) por poetas, filósofos, romancistas, dramaturgos,
psiquiatras, psicoterapeutas e quejandos em todo o mundo e todos os
tempos. Se também não o tratasse, estaria privando meus leitores,
fiéis e habituais, da minha opinião a respeito, pois o número de
e-mails que recebo, me cobrando textos sobre o assunto, é muito
grande, diria avassalador. Ademais, quem não gosta do que escrevo...
Bem, creio que estes já entenderam para qual lugar quero que vão.
Quanto
a estar apaixonado, nunca deixei de estar. E nos últimos 50 anos,
minha paixão é voltada sempre, sempre e invariavelmente para a
mesma mulher, o que, convenhamos, é um privilégio (meu, claro, mas
talvez dela também, não sei). Dadas as devidas respostas, vamos ao
que interessa.
Se
as promessas mútuas que os amantes fazem, no delírio da paixão,
quando a sós, numa noite de luar, fossem todas cumpridas, seu amor
nunca chegaria ao fim. Ambos viveriam para sempre no Paraíso. Não
vivem! Freqüentemente, o amor que juravam que seria eterno chega ao
fim, não raro no mesmo dia.
Não
que aquilo que prometeram fosse falso. No momento em que foram
feitas, as promessas eram sinceras. Ocorre que o tempo passa e nem
todos têm a cautela de cuidar dos sentimentos. O amor é caprichoso
e exige cultivo permanente, para que não definhe, murche e morra. Os
que se descuidam desse trato, esquecem logo as promessas que fizeram
e, não raro, passam a detestar a pessoa que antes amavam. Os jornais
estão repletos de casos de indivíduos que trucidam as amadas, em
acessos de fúria e rancor por se verem (ou apenas desconfiarem)
passados para trás.
Jorge
Linhaça conclui com estes versos, repletos de verdade, seu poema “A
lua dos amantes”:
“Tantas
promessas trocadas
a
nada tu te opunhas,
não
nos importava nada.
A
lua foi testemunha…
Hoje
a saudade, mais nada”.
E
como é triste o fim de um grande amor que se acaba por falta de
cuidado!! Já passei por isso e sei o quanto dói. Mas as lembranças
ficam, mesmo à nossa revelia.
Muitas
vezes, no amor, o silêncio é bem mais importante do que qualquer
palavra que os amantes possam dizer um ao outro. Os olhos, o rosto, o
sorriso, as mãos e todo o corpo são mais enfáticos e expressam com
muito maior fidelidade as emoções que ambos sentem um pelo outro.
Trata-se
da única situação em que duas almas dialogam, sem intermediários,
com ternura e encantamento, prescindindo de qualquer outro som, a não
ser o dos suspiros de prazer e de paixão. Mais essencial ainda o
silêncio se torna quando um dos parceiros, no momento de maior
intimidade do casal, se sente tentado a fazer alguma observação que
lhe pareça pertinente, mas que soe a crítica. O efeito é
devastador! Há relacionamentos estáveis que se rompem para sempre
por causa de palavras inocentes, ditas fora de hora, sem levar em
conta o contexto.
Affonso
Romano de Sant’Anna escreveu um belíssimo poema a respeito,
intitulado “Silêncio amoroso” (que peço licença ao paciente
leitor para reproduzir) que diz:
“Preciso
do teu silêncio
cúmplice
sobre minhas falhas.
Não
fale.
Um
sopro, a menor vogal pode me desamparar.
E
se eu abrir a boca minha alma vai rachar.
O
silêncio, aprendo, pode construir.
É
um modo/denso
tenso
de coexistir.
Calar,
às vezes, é fina forma de amar”.
Ademais,
por que falar, se o corpo é tão enfático e expressa com tamanha
naturalidade, nitidez e verdade o amor, que palavra alguma pode
declarar?
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O corpo fala, e nem sempre a leitura dessa linguagem dá prazer.
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