quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Fotos: Manoel Freitas

Setembro é o nono mês do calendário


* Por Mara Narciso
 
Quando apaixonados somos infantis. Quando irados somos animais selvagens. Mas quando entra setembro tornamo-nos esperançosos, pela proximidade da estação das flores, sendo obrigatório ouvir Sol de Primavera, de Beto Guedes. Em caso contrário, setembro não chegou.
 
A psicóloga carioca Silvia Costa, amiga virtual do Facebook postou a seguinte frase, que ela disse desconhecer a autoria: “É setembro, que delícia! Já podemos começar nosso processo de auto-primaverização”. Estamos em franca campanha do setembro amarelo, de combate ao suicídio. Bem escolhida a cor amarela, pois no norte de Minas, neste mês o tempo é dessa cor, como para tornar aconchegante a época de plantar e colher.
 
Em setembro a nossa expectativa de chuva chega ao nível máximo. As árvores mudam de roupa, mesmo antes de vir a chuva do broto, no começo da primavera. Há sete anos sem chuvas normais, andamos com nosso reservatório de água em níveis de reserva, com racionamento de água desde outubro de 2015. Há bairros que já ficaram até cinco dias sem receber uma só gota. Alguns tentam estocar água, outros têm cisterna ou poço artesiano, mas o lençol freático dá sinais de exaustão.
 
Falam que o rodízio setorial da cidade é de 24 horas com água para 30 horas sem água, mas há algum tempo a escassez parece ser bem maior. Quando a água chega à rede, vem fraca e quase não sobe, e se sobe as poucas horas não enchem a caixa. A maior preocupação é não ter água, mas principalmente, abrir pouco para logo fechar a torneira.
 
Durante o banho, mesmo no inverno rigoroso deste ano, com um mês inteiro com temperaturas de 12º C nas madrugadas, era para tomar banho rápido, ensaboando com o chuveiro desligado. Não tem graça alguma passar xampu e não ter como enxaguá-lo. Montes Claros é cidade quente, e, as pessoas têm o hábito de tomar dois banhos diários. Mas como? Há um medidor de gasolina, como também da carga no celular, mas de água na caixa, aqui embaixo não tem.
 
O normal (existe normalidade de clima nesses tempos pós-destruição do cerrado?), era chover de outubro a março, com período de “inverno” em dezembro, com chuva todos os dias e o “veranico” em janeiro (sem chuva por pelo menos 20 dias). Os nossos rios hoje sem água (passando carro em seus leitos) eram caudalosos. Saudades da visão da água, pois está quase tudo seco há anos. O Rio São Francisco cheio é uma imagem do passado.
 
Nos seis meses de chuvas, tem chovido apenas uma semana, com temporais, que derrubam muros, levam carros, matam gente e acabou. Agora só no próximo período de chuvas. Será que vem? Disseram que quando faz frio, o período chuvoso é bom. Crendice? Esperança exacerbada? Cada um acredita no que quer.
 
Vimos os caminhões de carvão levar o cerrado durante décadas. Passavam centenas deles na BR 135 em direção a Sete Lagoas. Fariam o ferro guza para a indústria automobilística. Simultaneamente plantaram imensas florestas de eucalipto na região. Nessas áreas gigantescas quase não se vê animais. Eram para prover de celulose as fábricas de papel. A indústria da destruição dizimou o cerrado, arrancou os pés de pequi, murici, panã, mangaba, cagaita e outros pela raiz, com correntes amarradas em tratores. No lugar foi deixando os eucaliptos. Alguns pontos só têm erosões nuas estorricadas, pois com o “progresso” a chuva não mais voltou.
 
Comunidades inteiras estão sedentas, plantadas num deserto. Não foram feitos os investimentos necessários, mas o preço da água vai subir quase 11%. Agora, só em Montes Claros 400 mil pessoas estão com sede. As autoridades garantem que é preciso acalmar a população. Desesperar jamais! Mas como? Ainda bem que temos setembro!


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



2 comentários:

  1. Puxa vida... Montes Claros não merece nem essa escassez de água nem os tremores de terra, não tão raros por aí, né? Que setembro chegue trazendo boas novas pra todos vocês, Mara.

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  2. Nosso consolo é que as avarias nas casas são de pequena monta. Agradeço a força, Marcelo. E que a chuva volte.

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