sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O contorcionista
* Por Assionara Souza
É mentira. O contorcionista sente dores, sim. Sempre acredita a cada apresentação que esta certamente será a última. Concentra-se atrás da coxia fazendo e refazendo séries de alongamentos até chegar a vez de entrar no palco.

Nascido em uma família de contorcionistas renomados, houve assombro e bater de pratos quando os pais e em seguida os irmãos e todos os demais parentes e mesmo os amigos descobriram: O menino não leva jeito pra coisa. O menor jeito. Não. Não leva.

Guardaram-no dentro de uma caixa durante toda a adolescência para ver se ele adquiria nesse mínimo espaço habilidades que não viriam naturalmente. Seus longos e finos braços abraçavam as pernas encolhidas e com a testa encostada aos joelhos ossudos chorava sem compreender.

Através de pequenos furos no papelão, assistia ao mover dos corpos compactos enrolados elásticos soltos lépidos dos seus irmãos que viviam fazendo pouco de sua nula aptidão. Dois em um. O terceiro era ele. Até que fugiu de casa levando somente o sobrenome. E perguntavam onde quer que ele fosse parar se por acaso não pertencia à estirpe da famosa família formada por excelentes contorcionistas.

Cansado de não saber inventar respostas, disse que sim. E desde então lá está seu sobrenome em todos os cartazes das principais atrações do circo. Todas as noites, envolto em um círculo de luz, ele desenvolve posturas que não sabe como aprendeu. E sofre. As dores são tão violentas a ponto de convencê-lo de que toda profissão, por seu martírio, vem a ser uma espécie de ritual religioso.

* Escritora potiguar.


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