Problema de identidade
O
que sou? Essa é uma pergunta que bilhões de pessoas, ao longo do
tempo e ao redor do mundo, vêm fazendo a si próprias (não raro,
inconscientemente, sem sequer se darem conta) e que não conseguiram
chegar a uma conclusão sequer razoável, quanto mais definitiva. A
todo instante, ficamos surpresos, senão atônitos, conosco mesmos.
Volta
e meia, por exemplo, descobrimos, no fundo de nossas mentes, ideias
(construtivas ou não, não importa) que sequer atinávamos que
tínhamos. Vez por outra, praticamos ações que contrariam nossas
mais profundas convicções.
Desafiados,
meio às cegas, atingimos objetivos que intimamente não
acreditávamos que pudéssemos alcançar. Que força misteriosa nos
moveu para praticar essa façanha? O oposto também ocorre.
Decepcionamo-nos, amiúde, conosco mesmos, com fracassos que
julgávamos impossíveis de nos atingir, mas que atingiram, por
superestimarmos nossas capacidades.
“Identidade!
Essa era a palavra, chave para todos os problemas humanos!”,
constata Morris West, no romance “O Embaixador”. Desde o
nascimento, até a morte, é o que buscamos encontrar, consolidar e
impor, não apenas ao mundo, mas a nós mesmos.
Conseguiremos?
Sou cético a esse propósito. Podemos até chegar perto da resposta
à questão “o que sou?”, mas sempre restará uma dúvida em
nosso espírito, sempre haverá novas surpresas (positivas ou
negativas), conservando e não raro ampliando nossa insegurança a
propósito.
Claro
que não sairemos por aí apregoando que não temos certeza sequer do
que somos. Ninguém faz isso. Se o fizer, certamente, será
considerado insano ou, no mínimo, para ser mais suave, neurótico.
Temos, é fato, uma vaga e intuitiva compreensão de quem somos e
como nos ligamos aos semelhantes e ao misterioso universo em cujo
recôndito cantinho vivemos.
Não
fosse assim, não teríamos nem como sobreviver. Sozinhos não somos
nada. Precisamos dos outros para assegurar nossa sobrevivência.
Ninguém, absolutamente ninguém, por maiores que sejam seus talentos
e habilidades, é autossuficiente.
Atribui-se
papel preponderante à educação na formação da nossa identidade,
do que se convencionou chamar de “personalidade”. Não nego,
claro, sua importância e nem poderia. Mas há casos que me deixam
perplexo e suscitam questões que nunca consegui responder,
envolvendo pessoas que foram educadas, rigorosamente, da mesma forma
pelos pais, freqüentaram as mesmíssimas escolas, foram criadas em
ambientes absolutamente iguais e, no entanto, uma se tornou digna de
imitação, por sua conduta exemplar e outra descambou para a
marginalidade.
É
o caso de uma família de evangélicos, com a qual convivi por certo
tempo. Os pais eram muito religiosos e admirados no bairro por sua
postura, probidade, gentileza e irrepreensível conduta. Poria, sem
vacilar, minha mão no fogo por esse casal. Qualquer um que o
conhecesse faria a mesma coisa.
Eram
pessoas saudáveis, alegres, positivas e, sobretudo, exemplares.
Tinham dois filhos, com diferença de idade de um ano entre ambos. O
mais velho era a cópia exata dos pais no que diz respeito quer à
aparência física, quer à conduta. Tanto, que se tornou pastor. O
mais moço, porém... Passou a andar em más companhias e não tardou
para que se tornasse viciado em drogas. Não demorou muito para que
começasse a roubar para sustentar o vício.
A
princípio, eram pequenos furtos, praticados contra os próprios
pais. Estes, todavia, evoluíram para delitos cada vez maiores. Até
que um dia, o tal indivíduo assaltou, com dois comparsas, uma casa
num bairro luxuoso da cidade (não importa qual, pois não é
relevante a identificação do personagem para essas reflexões), que
redundou na morte da vítima. Foi preso, julgado e condenado a vinte
anos de prisão, sentença que ainda está cumprindo numa
penitenciária de segurança máxima do Estado.
A
pergunta que se impõe é: se é a educação o fator fundamental na
formação da identidade e personalidade das pessoas, o que aconteceu
nesse caso, para que os dois irmãos se tornassem tão diferentes um
do outro? Afinal, foram educados, rigorosamente, da mesmíssima
forma.
Os
pais transmitiram os mesmos princípios religiosos, morais e sociais
a ambos. Estudaram nas mesmas escolas e freqüentaram os mesmos
círculos. O que, porém, levou um dos irmãos a abraçar a vida
religiosa e o outro a descambar para a marginalidade? Talvez as
circunstâncias. Talvez uma herança genética, quem sabe. Mas não
me venham com essa conversa de más companhias!
Na
minha juventude, convivi com pessoas da pior espécie. Fui tentado,
até, a experimentar drogas, mas tive cabeça suficiente para nunca
me deixar induzir a fazer essa estúpida experiência. A lógica me
dizia que não precisava fazer uso dessas porcarias (cujo nome é,
convenhamos, por si só revelador, significando “coisas que não
prestam”) para saber que elas eram (e são, obviamente) ruins e
destrutivas. Convenhamos, não é preciso ser nenhum gênio para
chegar a essa compreensão.
Os
exemplos dessa turma da pesada com a qual andei eram os piores
possíveis. Tanto que alguns deles se tornaram bandidos perigosos e
foram mortos em tiroteios com a polícia. E, apesar de andar em tão
más companhias, nunca, em momento algum, enveredei para a
marginalidade e muito menos para o crime. Jamais cometi um único
delito que fosse. E olhem que não sou nenhum primor em força de
vontade!
Esse
argumento, o das más companhias, portanto, não só não explica,
como não justifica a corrupção de ninguém. Tem lá a sua
influência em mentes fracas, é verdade. Devem, lógico, ser
evitadas. Mas não são fatores determinantes para corromper ninguém.
Como explicar, pois, os diferentes caminhos tomados pelos dois
irmãos? Eu não tenho nenhuma explicação convincente. Você, por
acaso, tem, prezado leitor?
Morris
West propõe um teste para comprovar sua tese de que o ambiente é
que determina nossa identidade: “Ponham-no (um homem) numa cela
acusticamente isolada, separem-no da visão, som e toque do mundo, e
em pouco tempo o terão reduzido à loucura e à desordem física”.
Alguém duvida?! Se a resposta for positiva, por favor, não façam
essa experiência com quem quer que seja. Será cruel demais!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Em todas as famílias há um canalha.
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