segunda-feira, 10 de julho de 2017

Mulher de roxo


* Por Juliana Marques


Rua acima, rua abaixo, pés descalços sobre o chão. Lá ia ela caminhando sem saber para onde, mas tinha seu ponto de parada preferido, era em frente a uma loja feminina, Sloper. Era lá que ela parava e ficava mergulhada no seu mundo. Ninguém sabia de onde ela veio, se foi casada, se teve filhos ou se tinha família pela cidade. Mas corriam boatos dela ter vindo de uma família rica ou ter sido abandonada pelo noivo na porta da igreja e, dessa maneira, ter enlouquecido. Talvez por esse motivo enclausurou-se em um hábito roxo, parecendo ser uma freira de luto, perambulando durante todo o dia pela Rua Chile, bairro movimentado pelo pólo de economia da cidade.

Os transeuntes dali já a conheciam por suas andanças diárias e sabiam que ela era inofensível. As rachaduras em seus pés denunciavam o quanto aquela pobre senhora já tinha andado nessa vida de meu Deus.
Alguns acessórios completavam seu visual. Ela carregava um crucifixo no pescoço, juntamente com um retrato, na altura do peito, de uma noiva, supostamente ela mesma, a noiva abandonada no altar. O odor que exalava de seu corpo acusava a falta de asseio que vencera alguns dias, meses ou até anos.

Como em uma das canções de um cantor dessa Bahia linda; ela caminhava sem lenço e sem documento... e sem destino. A única coisa que o destino reservou pra ela foi tê-la tornado em um personagem lendário cheia de mistérios e segredos no cenário baiano.
Florinda, nome dado pelas pessoas que viveram naquela época e puderam acompanhar de perto o cotidiano dessa andarilha, passou seus últimos dias de solidão no Hospital Santo Antônio. Mas foi como a mulher de roxo que ela ficou conhecida em toda a cidade, se tornando a maior lenda urbana de Salvador.


* Jornalista

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