domingo, 16 de julho de 2017

Milagre da sorte


* Por Fábio de Lima

(A sorte é um milagre que independe da nossa fé!)

Posso me considerar um homem de sorte. Sou pobre, feio e burro – mas ainda estou vivo. Enquanto isso, muitos ricos, bonitos e inteligentes não tiveram o mesmo destino. Nunca soube escrever bem, mas, ainda assim, deslizo a caneta sobre as folhas de papel ao nascer e morrer dos anos. Sei que muitos escritores de talento não tiveram a mesma oportunidade. Amo e odeio na mesma intensidade e sei que muitos rebeldes, como eu, não tiveram a mesma chance. A sorte é uma coisa estranha, caro leitor.

Nasci artista e isso contribuiu muito para me transformar em um homem triste. Meus pensamentos cresceram confusos dentro da minha cabeça. Sempre quis voar como se fosse pássaro, mas nunca consegui levantar meus pés pesados do chão gelado. Nunca fui homem da roça e nunca me habituei com o barulho da cidade. Desconheço a esperança e desconheço toda forma de sobreviver ao tempo, sem essa bendita e maldita sorte. Sou incapaz de enxergar o mundo sem analogias e metáforas, caro leitor.

Sou estranho, louco e único. Cabelos e olhos castanhos carregando meus sonhos. Os mesmos trechos das mesmas músicas dentro da minha imaginação. Tenho tudo que preciso para viver e nada que tenho é o bastante para alcançar minha felicidade. O calendário morre lento sob meus olhos. Dinheiro não tem importância para mim. E tantas outras coisas, importantes para os outros, me parecem bobas. E a sorte entorta e apruma os mesmos caminhos. Vivo com a impressão de estar no lugar errado e na época errada, caro leitor.

Observo o mundo à minha volta como alguém que procura uma pulga na pelagem de um leão. Guardo em meu coração sentimentos dos mais tolos momentos vividos e pensados desses últimos anos. E as rugas em minha face se proliferam traçando um mapa do homem que fui, sou e sempre sonhei e não consegui ser. A idade começa a censurar todos meus planos de menino. A sorte sorri ironicamente. Algo me diz, sussurrando como num filme de Ingmar Bergman, que estou acabado, caro leitor.

Teimoso, me arrasto como uma serpente procurando comida no deserto. Escrevo poemas e os jogo nos fundos das gavetas de minhas decepções. Cansei de visitar psicólogos e psiquiatras. Minhas ilusões eu mesmo invento sem ajuda de teóricos alheios. Desenho, com giz de cera, um grande coração azul na parede branca do meu quarto. Com sorte entendo o absurdo. Acredito em cada duende verde que trabalha incessantemente no jardim da minha casa, conforme minha mente débil consegue acreditar, caro leitor.

Inalo o perfume das rosas, enquanto minhas mãos sangram encravadas nos espinhos. Conto as letras do meu nome querendo entender melhor quem eu sou. Deixo cair lágrimas só depois do cair da noite e do brotar do silêncio. E, se a cada lamento novo lembro de um problema velho, não faz sentido, caro leitor amigo. Então, me contorço na sarjeta esperando o famoso milagre da sorte. Lembro, à beira do derradeiro suspiro, a última palavra que Deus me disse antes de me largar sozinho neste mundo mórbido e mesquinho: a sorte é um milagre que independe da nossa fé!

(*) Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. É Diretor de Programação da CINETVNET (www.cinetvnet.com.br), TV pela internet. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.




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