segunda-feira, 15 de maio de 2017

Três palavras


* Por Marta Góes


1. Russo
É o nome da neblina densa e leitosa que baixa no inverno sobre a cidade de Petrópolis e sobre a estrada que leva ao Rio. É tão densa que não se veem as casas da calçada em frente nem os outros carros na pista. É preciso avançar a 20 km por hora, de nariz grudado no párabrisa, e guiar-se pela fosforescência dos olhos de gato no asfalto, no silêncio preocupado que congela a conversa. Desaparecem, engolidos pelo russo, todos os traços do verão - o trânsito dos cariocas em férias, os restaurantes lotados, a música dos bailes de Carnaval. Essas cenas longínquas passam a habitar um tempo difuso chamado “o verão passado”. Agora faz frio e tudo destila umidade. O russo é o cúmulo do inverno, é a outra cara de Petrópolis.

2. Flamboyant
As três vogais, com som de quatro - falamos flambuaiã - dão à palavra, um tremor de pluma, igual ao dos galhos da árvore, esparramados a pouca altura do chão, com suas folhas miúdas e flores cor de tangerina. Por florir no calor, os flamboyants trazem trilha sonora própria, a estridência de cigarras. Alguns, não se sabe por quê, trazem também o Aterro do Flamengo.

3. Carambola
Além da fruta de desenho caprichoso, cujas fatias são estrelas amarelas, ideais para enfeitar pratos (patos?) de fotografia, esse era o nome do biscoito amanteigado de minha avó (uma xícara de manteiga, uma de açúcar e duas de farinha, estava escrito no caderno de receitas). A carambola deu margem a uma série de discussões sobre a mesquinharia que se esconde nas justificativas dietéticas. Falava-se até, se bem me lembro, em alguma relação entre economia de manteiga e falta de caráter.


* Jornalista, escritora e dramaturga



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