quarta-feira, 17 de maio de 2017

Não vou lhe cumprimentar e ainda vou lavar a mão” - Brizola


* Por Mara Narciso
 

Não há bom encontro sem aperto de mão. Cena de filme ou Jornalismo, imagem de novela, passagem de um livro, muitos já viram uma mão desamparada, pós-ato ignóbil, símbolo do desprezo e da humilhação, ainda que cada país tenha suas próprias normas para o simbólico aperto de mão. Desafetos se encontram, o ambiente pesa, trocam-se agressões, a ação se inflama, o conflito ferve, depois das raquetadas, retorna à quase normalidade. Então, acertadas as contas, antes de sair, pode ser que um deles estenda a mão, nem sempre em sinal de pacificação, mas num gesto civilizado automático. Porém, aquele que se sinta irado, ou que queira ter razão, vinga-se, deixando o adversário com a mão no ar. Este, vencido, vomita despautérios e sai fuzilando. Se na ficção traduz mal estar, na vida real afronta aos presentes.
 
Numa discussão, mesmo quando parece justo o lado vencedor, presenciar gestos de estupidez é constrangedor. Alguns se valem desse expediente para enfraquecer o inimigo. Vangloriam-se dessa atitude. Vale tanto quanto uma bofetada, sendo quase uma cusparada. Os humanos são vingativos. Na política, os poderosos se ofendem verbalmente de forma mais ferina que um murro, e muitos partem para as bofetadas, outros filmam e se divertem, enquanto a maioria se sente mal. Para evitar tais impulsos primitivos, valem-se dos simbolismos civilizatórios das muitas culturas nas quais um aperto de mão indica pacto de amizade ou de aceitação.
 
Uma cliente antiga, com a qual tenho acertado, inclusive fora da minha área, com respectivo encaminhamento, aborreceu-se comigo porque fui firme com meu filho dentro do consultório. Devido ao déficit de atenção, sem apertá-lo a ajuda que ele me fazia não seria eficaz. Na hora do fato ela me ordenou paciência, coisa que tenho, diante da boa vontade dele. Dias depois, a paciente me trouxe exames. Ao entrar, não me olhou, mesmo ao ser recebida comigo de pé, com a mão estendida. Vendo que ela não aceitaria meu cumprimento, perguntei o porquê de ela não apertar a minha mão. Abaixou os olhos. Jogou o exame sobre a mesa, sentou-se e continuou ríspida. Ao final, conversou quase normal, ainda que tensa, mantendo o desconforto.
 
Duas pessoas muito me prejudicaram, uma delas, expulsando meu filho da escola aos quatro anos de idade e a outra inventando mentiras sobre atitudes profissionais, e, alguns anos depois, nos encontramos. Foram em eventos social e científico, respectivamente, entre amigos comuns, e ambos me estenderam a mão. Eu as segurei em tenso desconforto. Não sou humilde nem generosa, mas um aperto de mão não se nega.
 
Nos encontros políticos internacionais entre países em desacordo há um intermediador neutro para buscar a paz. Espera-se um aperto de mão entre os contendores, nem sempre natural, haja vista as dezenas de cenas insólitas entre líderes, e em especial tendo por personagens o Presidente de Israel e a Autoridade Palestina. Na campanha política americana do ano passado, Donald Trump e Hillary Clinton começaram um dos debates mais tensos sem apertos de mão. Numa visita da Chanceler Alemã Angela Merkel aos Estados Unidos, Donald Trump pareceu não ouvir o pedido de cumprimento da visitante.
 
Nos desafios mesquinhos, cada um, à sua maneira tenta se fazer maior, reduzindo seu adversário, e para isso, vinga-se, deixando pendente a mão alheia, gesto desprezível. Quem quiser ser grande deve buscar a cordialidade. Alguns apertos de mão são difíceis e outros quase impossíveis, sendo manifestação de grandeza de ambas as partes que trocam as asperezas pela boa vontade. Este pode ser o recomeço de uma convivência pacífica.
 
Curiosidades do aperto de mão em 15 países: http://exame.abril.com.br/

* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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