terça-feira, 16 de maio de 2017

Fuga da beleza



A descrição da beleza, da grandeza e da transcendência é o objetivo e, simultaneamente, o maior desafio de todo escritor que se preza. Por mais rico que seja o idioma de que se utiliza (e acho o meu, esta apaixonante língua portuguesa, riquíssimo), ele sempre esbarra na limitação das palavras.

Muitos procuram solução apelando para a criação de neologismos. Todavia, não raro, percebem que estes são mais inadequados até do que as expressões já existentes no dicionário da sua língua. O que fazer? Desistir? Jamais!

Os poetas, por seu turno, usam e abusam de metáforas. Algumas são felicíssimas e surpreendentes e causam inveja nos que não tiveram a sensibilidade de criá-las. Outras, simulam conversas de doidos, tão sem pé e nem cabeça que são, absolutamente sem sentido.

Mesmo os escritores que tratam do trágico, do tétrico, do horrendo e do aterrorizante (diria que hoje seja a maioria), no fundo, no fundo, bem no seu íntimo, sonham, querem e buscam a beleza, a grandeza e a transcendência, posto que por caminhos equivocados. Ou seja, procuram chegar às portas do céu atravessando o miolo do inferno. Acabam por se deixar ficar nele.

Convenhamos, é um tremendo desafio, digno dos doze trabalhos de Hércules, escrever textos de extrema beleza, com grandeza e transcendência e que tenham, simultaneamente, conteúdo. Há estilistas que se esmeram nas palavras, inventam metáforas que soam harmoniosamente, como perfeita sinfonia, nos ouvidos, mas quando o que escrevem é submetido a meticulosa análise... são vazios, ocos e não dizem nada de nada.

Em contrapartida, há escritos que são despojados, em que as expressões utilizadas soam ásperas, duras, incisivas e rudes e que, no entanto – como a ganga esconde o precioso diamante – escondem intensíssima beleza, mas que precisa ser desvendada e detectada. Compete, nestes casos, ao leitor descobri-la.

Tenho me frustrado bastante, ultimamente, em minhas leituras. Noto, na maior parte dos livros que leio, a pretexto do autor nos apresentar uma realidade cuja apresentação é redundante e desnecessária, posto que todos a conhecemos de sobejo, por sentir seus efeitos na carne, um desencanto, um pessimismo, um catastrofismo latente que me confunde e me aborrece.

Essa, todavia, não é a função do escritor. É do jornalista. A este sim compete a função de nos trazer os acontecimentos nus e crus, sem exageros, contudo (embora a maioria carregue nas cores ao nos transmitir as notícias do cotidiano, em que nunca enxergam o construtivo, mas somente o deletério).

Sem se darem conta, estes supostos estetas empreendem, de fato, constante, crescente, invariável fuga da beleza. Não entendo a cabeça dessas pessoas. Por que não guardam para si seu renitente pessimismo, seu insinuante desencanto, sua doentia aposta no negativo, no destrutivo e no feio, em vez de contagiarem os outros com esse vírus que, não raro, é letal? Por que, em contrapartida, não tentam fazer uma Literatura grandiosa, positiva, caracterizada pela esperança, pela fé e pela alegria de viver? Creio que este é seu verdadeiro papel, do qual, insensatamente, abrem mão.

É fácil, muito fácil, facílimo escapar da beleza, nem é preciso fazer grande força para tal. Procurá-la, alcançá-la, descrevê-la, prostrar-se aos seus pés e se tornar seu servo e seguidor é que são elas. Mas esta tem que ser a meta suprema dos cultores das belas letras. O escritor Ian McEwan, ganhador do Book Prize de 1998, faz o seguinte alerta a propósito: “Para escapar da beleza só é preciso escrever mal, o que é muito fácil”. Diria, “é facílimo”.

Capriche, pois, no seu texto. Tenha em mente que ele pode ser seu “testamento” para a posteridade. O que você gostaria de legar aos seus herdeiros, um sítio maravilhoso, com jardins bem cuidados e diversidade de flores, ou um pantanal pestilento e impenetrável, repleto de miasmas doentios? Deixar-lhes-ia um viveiro repleto de pássaros, livres e soltos, que lá estivessem dada a beleza e aprazibilidade do lugar, ou um cercado de baratas, aranhas e escorpiões?

O que você gostaria de legar aos seus filhos, textos maravilhosos, repletos de ensinamentos, de esperança, de amor, de fé e de grandeza, ou meticulosas descrições dos supostos padecimentos dos ímpios nas profundezas do inferno? Não fuja da beleza! Ou, se não conseguir, evite escrever, para o seu bem e o de seus potenciais leitores!

Boa leitura!

O Editor.

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Um comentário:

  1. Não se consegue dar o que não se tem. Há tempos de guerras em que é ainda mais difícil fugir das pedras para alcançar a água límpida.

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