domingo, 28 de maio de 2017

À cidade pequena


* Por Marcos Alves


Saio de férias e resolvo passar uns dias no interior. Quero esquecer que existe jornal, encontrar gente que não vejo há muito tempo, descansar. Ficar longe da Internet, rádio e televisão, na medida do possível.

A casa onde vivi permanece de pé. Quando deito no meu quarto e olho para o teto é como se voltasse no tempo. Antigas frustrações e alegrias misturadas a imagens difusas que surgem do nada, lembranças de situações agradáveis e desconfortáveis. Uma viagem a que me permito toda vez que tenho tempo de estar nesse lugar.

O gosto doce e amargo do existir se alterna na alma. Beijos e abraços imaginários, frases ditas num olhar. Uma lágrima brota no canto do olho. Sorrio e me sinto gente na solidão voluntária do quarto onde passei a infância e parte da adolescência. A ausência de meu pai e minha mãe ainda sentida, mas com o passar dos anos aprendendo a superá-la, escamoteá-la ao menos.

Quero desfrutar das coisas simples. Ser verdadeiro com poucos gestos, sem alarde. Evitar estardalhaço, rir dos pequenos equívocos, do inusitado que só aparece quando temos tempo e sensibilidade para perceber.

A cidade de pouco mais de 20 mil habitantes é alimento para a memória. De um lado, cadeiras na calçada, conversas noturnas na brisa fresca, as ruas de pedra. De outro, a vista da colina e o claro-escuro formado pelo verde do pasto molhado e a copa das árvores.

Deixo-me levar por uma preguiça mansa, que às vezes parece incomodar os apressados. Também os há na pequena cidade do interior e alguns são dignos de pena. Parecem procurar por algo que jamais vão encontrar.

Cavaleiro andante, visitante ocasional e inesperado, forasteiro e nativo. Confundo os bons observadores que já não me conhecem direito. O melhor são as mulheres. Terra de beldades, a pequena cidade e suas costuras sociais produziram (e ainda produzem) histórias dignas de um romance de Balzac. Tramas burlescas, truques malfadados, golpes e façanhas em décadas de regime burguês-rural.

Lembro-me, de repente, do apartamento em Belo Horizonte e pendências outras. Ainda aqui, na roça, sinto por um instante o estresse da cidade grande. A correria dos colegas, as luzes, o trânsito. Penso em Marta, Raíssa...

A vida segue, difícil, mas ainda permite intervalos. Viajar para uma pequena cidade onde se tenha um canto. E depois poder voltar para casa de alma renovada e sem vontade de mudar o caminho que escolhemos.

  • Marcos Alves é jornalista e diretor de vídeos.




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