Indigência espiritual
A razão é a mais nobre, mais eficaz e a
principal faculdade humana. É a característica essencial que nos distingue dos
demais seres viventes. Não raro, porém, nos deixamos enganar pelos apelos dos
instintos e, ao incorrermos nesse equívoco, deixamos de ser livres. Tornamo-nos
escravos de incontroláveis paixões, nem sempre sadias e nobres, que nos induzem
ao erro e, não raro, à própria destruição.
Devemos ser determinados e nos
submeter, única e exclusivamente, à voz da razão, irmã de todos os sentimentos
nobres, como o amor, a justiça, a bondade e a solidariedade, ao longo da nossa
vida. Quem não age assim, é pobre de espírito. Torna-se incapaz de apreender a
verdade, por mais óbvia que esta seja.
Ouço, com assustadora freqüência, a
afirmação de que “só o esperto vence na vida”. Destaque-se que a esperteza, no
caso, não significa agilidade, rapidez, desembaraço, mas a capacidade de
enganar ingênuos e incautos, para levar algum tipo de vantagem. Claro que esse
não é nenhum ingrediente dos verdadeiros vitoriosos, dos que realmente importam
no mundo, pela contribuição que dão para o progresso e a civilização.
A fórmula, para se vencer na vida, é
bem outra. É ser competente, determinado e eficaz. É raciocinar com frieza e
agir com ponderação e bom-senso. É cultivar valores. É espalhar amor e exemplos
de bondade e solidariedade por onde passar. É ser íntegro, humilde e,
sobretudo, útil a si e ao próximo.
Quem acredita que a esperteza é a arma
dos vitoriosos não passa, isso sim, de ingênuo, senão de tolo. É pobre de
espírito. Mais do que isso, paupérrimo, senão indigente. Uma das manifestações
mais comuns de indigência espiritual é, sem dúvida, a zombaria.
Quem recorre a esse expediente
mesquinho, para ofender concorrentes, adversários e, às vezes, nem isso, mas
pessoas que nunca lhes fizeram mal algum ou eventual desfeita, o faz por
carecer de argumentos. Vale-se, em geral, de algum defeito aparente da vítima
(que às vezes nem é uma deficiência, porém virtude), como o fato dela ser gorda,
por exemplo, ou de mancar, ou de gaguejar, ou de ter algum cacoete ou outra
característica qualquer que seja incomum, para fazer chacota. Não raro, quando
chamado às falas, argumenta que se trata de “brincadeira”. Não é,
evidentemente.
A zombaria é tão tola, tão ridícula e
tão imbecil, que quem é alvo dela e tem só um pouquinho de massa encefálica,
alguns neurônios a mais, nem tem como se defender. Pior é quando outros tantos idiotas
úteis (no caso, inúteis) aderem à caçoada (a burrice é contagiosa). Aí a bulha
torna-se infernal!
Esse tipo de atitude é muito comum, por
exemplo, nas escolas, e do mundo todo. É, hoje em dia, um dos grandes problemas
dos educadores, igualmente vítimas desse comportamento anti-social e agressivo
de alguns alunos. Raros já não passaram, algum dia, por esta desagradabilíssima
experiência. Deram-lhe, até mesmo, um pomposo nome: “bullying”. Não importa,
porém, a denominação. Trata-se da estúpida, infeliz e sempre condenável
zombaria.
Às vezes, essa atitude descamba, até,
para a agressão física. Há casos, mesmo, das vítimas se sentirem tão infelizes,
humilhadas e deprimidas a ponto de se transferirem de escola. Psicólogos
chegaram a traçar, em linhas gerais, o perfil dos que se valem do “bullying”
para se tornar populares entre os colegas (ou, o que é mais comum, temidos por
eles).
Tratam-se, comumente, de indivíduos com
pouca (diria nenhuma) empatia. Freqüentemente, provêm de famílias
desestruturadas, nas quais quase não há relacionamento afetivo entre seus
membros. Seus pais exercem uma supervisão pobre sobre eles (ou não exercem
nenhuma), toleram e oferecem como modelo para solucionar conflitos o
comportamento agressivo ou explosivo.
Admite-se que os que praticam
“bullying” têm grande probabilidade de se tornar adultos com atitudes
anti-sociais e/ou violentas, podendo vir a assumir (e na maioria dos casos, assumem),
inclusive, posturas delinqüentes ou criminosas. São sociopatas. São o exemplo
mais acabado e característico do indigente espiritual, dignos (ao contrário do
que pensam), não de admiração, mas de cuidados psiquiátricos, tratamento e
piedade. Não lhes cabem, pois, respostas por parte de quem é sadio e racional e
se torna vítima das suas doentias chacotas..
Que bom seria se, ao cabo da nossa
existência, não importa quanto tempo dure, pudéssemos dizer, convictos de
estarmos sendo fiéis à verdade, como Antero de Quental, nestes versos com que
abre o soneto “Hino à razão”:
“Razão,
irmã do Amor e da Justiça,
mais
uma vez escuta a minha prece.
É
a voz de um coração que te apetece,
duma
alma livre, só a ti submissa”.
Afinal, só ela é capaz de nos
proporcionar a verdadeira riqueza, aquela que de fato importa: a do espírito.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Quando alguém, vitima de chacota, reage de forma mais contundente é levado preso. Sou testemunha.
ResponderExcluir