Diversão
ou reflexão?
O filósofo Blaisé Pascal condena o
divertimento, que classifica de “maior das nossas misérias”. Destaca que o
tempo perdido com distrações fúteis e vazias poderia (e deveria) ser utilizado
para reflexão, notadamente sobre nossas dúvidas, medos, anseios e projetos
pessoais. Discordo do ilustre pensador. Entendo que, desde que moderado, o
divertimento (aquele que realmente diverte e não o que aborrece ou degrada) é
não somente válido, como, até, absolutamente necessário.
Trata-se de uma pausa em nossa luta
cotidiana para construir uma vida exemplar e produtiva, que justifique,
principalmente, nossa existência e nos marque na memória da nossa e das futuras
gerações. Não é o que acontece, porém, com a maioria esmagadora das pessoas,
forçada a trabalhar no que lhe aparece para garantir o “pão nosso de cada dia”
e não no que gosta e sabe fazer melhor.
Tempo nós perdemos, por exemplo, em
algum desses tantos empregos (a maioria) em que nos são designadas tarefas
opressivas, monótonas e repetitivas, dessas de enlouquecer qualquer indivíduo
que tenha pelo menos mais do que dois neurônios. Isso quando não são insalubres
e até perigosas para nossa integridade física e/ou mental.
E fazemos isso por que? Para nossa
evolução espiritual ou material? Não, não e não!!! Envelhecemos precocemente;
nos sentimos perdidos, infelizes e desamparados; remoemos ressentimentos;
suportamos cansaços e dores; engolimos desaforos de chefetes estúpidos e
irracionais, enfim, submetemo-nos a tantos vexames e tamanhos riscos apenas, e
tão somente, para obtermos “migalhas” que nos sustentem.
Os mais resistentes, ou mais
inconscientes, ou mais dóceis talvez (ou tudo isso junto), conseguem a façanha
de permanecer trinta e cinco anos ininterruptos no mesmíssimo emprego. E o que
lhes dão como “prêmio” por tamanha constância e assiduidade?
Essas pessoas conseguem (e quando
conseguem) uma aposentadoria ridícula e perversa, cujo valor é insuficiente
para pelo menos cobrir os custos dos remédios que precisam tomar para atenuar
as doenças que contraem em decorrência não somente do esforço, mas,
principalmente, das privações pelas quais tiveram que passar por quase quatro
décadas e só. Estou fora dessa!
Alguns (raríssimos) obtêm suposto
reconhecimento dos patrões, que lhes dão (quando dão) de lembrança, por tantos
e tantos anos de sacrifícios, lutas, desespero e frustrações, um reles cartão
de prata, com palavras pomposas, mas hipócritas, por serem meramente formais e
uma caneta dourada, ou algo parecido, objetos, convenhamos, sem nenhuma
serventia.
Sei que essa minha constatação é,
digamos, subversiva ou, no mínimo, “politicamente incorreta”. Mas é a puríssima
realidade, que quase todos sabem que é assim, mas pouquíssimos têm a coragem de
denunciar. Classifico esse tipo de trabalho de “escravidão remunerada”. Temos
alternativas? Cada qual que responda por si. Eu encontrei a minha.
Despendemos esforço demais para
vantagens de menos. Quem acaba lucrando com nosso desdobramento muscular (ou
intelectual, não importa) é, invariavelmente, aquele que nos contrata e que
valoriza tão pouco (ou quase nada) a nossa capacidade produtiva. E surge, de
novo, a pergunta: temos alternativas? E reitero, a título de resposta: cada
qual que responda por si.
Isso sim é perda de tempo (pior, é
desperdício de vida) e não os divertimentos. Há, é claro, os que exageram na
maneira de se divertir. Despendem todo o tempo de que dispõem em diversões
muitas vezes tolas e que sequer divertem tanto assim, em detrimento da evolução
material, mental e, sobretudo espiritual. Argumentam que, se não agirem assim,
suas vidas serão um interminável tédio.
O eminente filósofo francês, porém,
argumentou que o tédio, nesses casos, é necessário. Garantiu que, para nos
livrarmos dele, procuraremos um meio inteligente e sólido como alternativa e,
com isso, evoluiremos, se não materialmente (e até essa possibilidade ele
prevê), pelo menos espiritualmente. Pascal não deixa de ter razão. Mas...
apenas parcialmente.
Suas palavras exatas, que constam do
livro “Pensamentos”, são as seguintes: “A única coisa que nos consola das
nossas misérias é o divertimento, e, contudo, é a maior das nossas misérias.
Porque é isto que nos impede, principalmente, de pensar em nós, e que nos faz
perder, insensivelmente. Sem isso, estaríamos no tédio, e este tédio nos
levaria a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas o divertimento
distrai-nos e faz-nos chegar, insensivelmente, à morte”.
Convenhamos, reitero, que o filósofo
não deixa de ter razão. Mas... apenas parcialmente. O que nos distrai, mais do
que tudo, e nos faz chegar “insensivelmente à morte” é a “escravidão remunerada”, que nos incutem
na cabeça, desde criancinhas, que se trata de preciosa virtude quando, na
verdade, não passa de abjeta e suicida submissão, que nos custa muito caro. Tem
um preço proibitivo.
Boa leitura!
O Editor.
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O trabalho escraviza, e mesmo quando remunera bem é massacrante sim, mas por outro lado distrai. O tédio e a não produção adoecem. Falo por mim, mas vejo casos semelhantes.
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