segunda-feira, 20 de março de 2017

As razões das dores

* Por Luiz de Aquino


Não tenho notícias de um companheiro há algumas semanas. Ligo, mais por curiosidade que saudade, só para perguntar “Olá, tudo bem?”, e ouvir de volta “Tirando os problemas, tudo bem”. Ora, tentei esclarecer, mas o que seria da vida sem problemas? Um tédio! A alegria de viver consiste em resolver problemas, superar obstáculos, vencer dificuldades e, enfim, erguer a mão fechada com um baita sorriso e gritar “Eba!”.

Sempre ouvi que, ao acordar, precisamos agradecer a Deus pelo dia a viver – em seguida, espreguiçar, como cães e gatos, e levantar para os primeiros passos e providências, desde a higiene até o ato de nos aprontarmos, com a indispensável vaidade e a ótima disposição para vencer etapas.

Pensava ainda no papo com esse conhecido quando, pelo Facebook, um companheiro de verso e prosa a quem não conheço pessoalmente, morador das lonjuras brasileiras, quer saber de mim o que leva um homem de quase 80 anos ao suicídio (aconteceu com alguém das relações dele, não sei se finalizou o ato ou se foi acudido a tempo).

Falou-me, esse parceiro, da vida vivida, a formação acadêmica, a profissão exercida a contento e as realizações no campo material, com boa casa, bons carros sempre, casa de veraneio na praia e um sítio na montanha. Muitas viagens e um casal de filhos, já beirando a casa dos cinquent’anos, cinco netos (dois adolescentes e três crianças).
– É o vazio – disse-lhe eu.
– Vazio... que vazio?
– Vazio no tempo, no horizonte e na vida. Imagina esse casal (sim, sua companheira da vida toda, apenas dois anos mais nova, também é triste) na casa de praia durante os dias da semana, esses a que acrescentamos “feira”. O que há na praia? Somente a areia e a espuma das ondas. E o mar, para eles também vazio, é metade de toda a paisagem. O mesmo se dá na chácara, quero dizer, no sítio da montanha. Há os pássaros e outros animais, como macacos, quatis... e mesmo as pessoas que eventualmente passam por eles são fatores reais, mas não lhes preenchem os dias e as emoções – como o eco numa caverna.

Nos tempos de moços, deixamos vazios os dias de nossos pais. Uns 25 ou 30 anos após, nossos filhos fizeram o mesmo conosco e hoje são os nossos netos a deixar foscos os olhos de nossos filhos. “Seus filhos filhos terão”, costumava repetir minha mãe, referindo-se ao fenômeno da autossuficiência que assola os jovens. Lá pelos 40 anos, costumamos retornar aos olhos e afagos dos pais – mas é essa uma fase de muito trabalho, de busca pela consolidação do patrimônio material, com medo de uma velhice triste e mal assistida, e não sabemos então que, na velhice, gostaríamos mesmo de ter tão-somente a proximidade dos que amamos.

Preocupa-me, sim, quando do “gesto tresloucado” (era expressão da imprensa policial de algumas décadas idas), em que a pessoa comete um dos dois graves crimes imperdoáveis. Mas, digam-me, como julgar? Por maior que seja o argumento religioso, angústias e ansiedades não se explicam nem se medem. As razões das dores, só as dores as conhecem.

Deus que se apiede...

* Professor, jornalista e bancário. Tem vinte livros publicados, está em dezenas de antologias de prosa e de poesia, presidiu a União Brasileira de Escritores de Goiás, é membro efetivo da Academia Goiana de Letras e de outras academias (de abrangência municipal).


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