sábado, 18 de março de 2017

Ambiente claustrofóbico


A atividade de escritor é sumamente fascinante, mas, ao mesmo tempo, perigosa e não raro frustrante. Ademais, implica em uma responsabilidade que quem não é do ramo sequer desconfia. Não posso sair por aí escrevendo, a torto e a direito, tudo o que me vem à cabeça, sem atentar para o que, como e para quem escrevo. Quem age dessa maneira não chega a lugar algum e, não raro, se mete em imensas encrencas. Na melhor das hipóteses, dependendo do que escreveu, cai em ridículo. Portanto, todo o cuidado é pouco.

Apesar do advento do computador, ainda assim é válida a afirmação popular de que o papel aceita qualquer coisa. Todavia, o leitor raramente é tão flexível. E não sabemos de antemão em que mãos nosso texto irá cair, nem como e nem quando. Tanto pode passar batido e se perder no tempo, sem que mereça uma única e reles leitura, como pode nos meter em terríveis encrencas, dependendo do teor do que escrevemos.

Escrever é uma atividade terrivelmente solitária. Quando você estiver diante da tela em branco do computador (ou de uma folha de papel, caso use o meio antigo de produção de textos), passa a contar somente com você mesmo: com sua memória, com seus conhecimentos, com seu domínio do vocabulário e da gramática e com o seu estilo característico de narrar.

Caso tenha um súbito “apagão mental”, se esqueça de algum detalhe pertinente ao texto que estiver produzindo, esqueça de pedir socorro. Não terá ninguém a quem recorrer e com o qual possa contar. Se isso ocorrer, manda a prudência, não escreva. Adie para outro dia, em que estiver mais concentrado e disposto, o que pretendia escrever. Se já tiver iniciado o texto, aborte-o de imediato.

Esse exercício de criação é caprichoso. Às vezes você passa dias com um assunto na cabeça. Mentalmente, já está com o esqueleto do texto perfeitamente formado, bastando, apenas, revesti-lo de palavras. Mas na hora de descarregá-lo na telinha do computador (supondo que você seja um redator prático e moderno), sai tudo diferente do que projetou. Às vezes, é verdade, a coisa sai melhor do que a encomenda. O produto final se revela com muito mais qualidade do que você achava antes de iniciar a redação.      

No curso da narrativa, por exemplo, vêm-lhe à mente, como num lampejo, idéias sobre as quais você sequer cogitava a princípio. E você finda por produzir, para sua satisfação e surpresa, sua obra-prima. Alguns chamam isso de “inspiração”. Prefiro classificá-lo de “indução”. Ou seja, um raciocínio induz outro, que por sua vez remete a um terceiro e, assim, sucessivamente. E, quando percebemos, a narrativa mudou completamente de rumo e é bem diversa daquela originalmente planejada. Quando isso ocorre para melhor, é uma bênção, um achado.

Mas nem sempre é o que se verifica. Em boa parte das vezes, essa alteração de rumo nos conduz a impasses, a beiras de abismos e, quando isso ocorre, o mais prudente é abortar a narrativa e partir para outra. Se teimarmos, poderemos nos dar mal (e, via de regra, nos damos mesmo).

A maioria dos escritores sente compulsão para escrever. Às vezes nem está disposta, o corpo pede repouso ou distrações, mas uma determinada idéia permanece sufocada, com falta de ar, querendo vir a lume para poder “respirar”. O romancista inglês Ian McEwan (ganhador do Book Prize de 1998), explicou assim a razão desse “incômodo”:  “A mente do narrador está sempre envolvida em um ambiente claustrofóbico”.

Idéias existem para serem transmitidas. Sufocadas, elas morrem no fundo da nossa mente e nos envenenam o espírito com seus restos mortais. Precisam de luz para sobreviver. Requerem ar, muito ar para respirar. São astutas, capciosas, ardilosas e ditatoriais e nos escravizam aos seus propósitos.

Há escritores que consideram sua atividade (ou, pelo menos, a comparam dessa maneira) um ato de exorcismo. É quando eles exorcizam seus demônios interiores e sentem-se relaxados, até que haja novo surto de imposições de idéias. Os que conseguem conviver com esse estado de perpétua tensão, produzem obras marcantes, imortais e notáveis e até sentem prazer em escrever. Seria masoquismo? Talvez.

Nem todos, no entanto, são assim. Muitos, por despreparo técnico, ou psicológico ou por falta de autodisciplina, sucumbem. São envenenados pelos restos mortais de idéias que não sobreviveram por falta de luz e de ar. Tornam-se amargos, arredios e não raro recorrem ao álcool ou às drogas, para aplacar os demônios interiores. São esmagados pelo talento, que se recusam a utilizar com responsabilidade e sabedoria.

Boa leitura!

O Editor.

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