quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O disparate das raparigas do Bonfim

* Por Mara Narciso


Elthomar Santoro, nascido em São João da Ponte e morto há dois anos, foi um músico e compositor montes-clarense fora do gráfico em tudo. Inconformado e rebelde são adjetivos que mal seguram dentro o autor de “Rapariga do Bonfim”. Desgarrado do contexto, era diferente, e suas composições não aceitam uma mera classificação. Ainda que esse seu dramático tango se chame “Disparate”, poucos se lembram disso, e sim da finalização da sua letra deboche, que, depois de contar um relacionamento do começo ao fim, xinga a ex-amada: “és indigna, malvada, infusada, rapariga do Bonfim”. As duas palavras finais são insulto forte em Montes Claros, cidade que já teve prostíbulos na Rua Bonfim.

Vítima do alcoolismo, Elthomar Santoro, após um infarto veio a falecer em 2014, aos 56 anos. Ficaram a sua obra e os shows em sua homenagem, mas o que melhor retumbou foi o surgimento do Bloco Raparigas do Bonfim em dezembro de 2015, estreando na rua em fevereiro de 2016. De caráter livre, como o homenageado, o bloco aceita homens e mulheres, e a norma é não ter norma, basta ensaiar para sair. Não tem filiação, carteirinha, contribuição, sendo uma agremiação de amigos para amigos.

A ideia surgiu num ensaio de músicos, em que um deles perguntou sobre onde cada um passaria o carnaval e como todos ficariam em Montes Claros resolveram fundar um bloco para resgatar o carnaval de rua. O nome chocante foi perfeito para os ideais do grupo, que queria dar leveza e alegria a palavra “rapariga” e “ocupar os lugares públicos de uma maneira alegre e divertida”. “O bloco não tem dono nem pai, é nosso, é de Montes Claros. Quem sugeriu o nome estava no grupo, na casa de Alexandre Zuba. No momento tocava um blues”, relembra Clara Marcele, uma das fundadoras do Bloco e criadora de uma página para ele no Facebook.

“A diretoria informal, hoje com nove, no primeiro desfile tinha cinco pessoas. Com mil reais e programação para sair com 300 integrantes, desfilou com mais de mil e hoje é esse sucesso, é essa loucura toda”, diz Clara Marcele. Na primeira aparição, desde a concentração no Bairro Todos os Santos, todo o trajeto até a Praça da Matriz, onde foi o apogeu, até a dissolução, o desfile se tornou um grande evento. Choveu gente de todo lugar, mostrando uma ebulição momesca que foi despertada e divertiu todo mundo.

No ano passado uma das musas do Bloco foi Isabel Lopo, atriz que fez o papel principal numa representação teatral da música “Disparate”, no Centro Cultural, e de porta-estandarte saiu o antropólogo Joba Costa vestido de mulher.

Também aconteceu a inevitável censura quanto ao nome, nas redes sociais. Acharam apelativo, desonroso, infame, discriminatório em relação às mulheres que estavam desfilando. Outros o acharam chamativo e interessante. De acordo com os organizadores, “é uma brincadeira séria, bem carnavalesca”. Todos os meses do ano passado, o Bloco Raparigas do Bonfim foi requisitado para show, comparecendo com 30 a 50 pessoas para se apresentar com responsabilidade e cuidado.

O sucesso exagerado se deu pela força musical do homenageado, não tão reconhecido em vida, e o nome forte que já caiu na boca do povo, desejoso do carnaval de rua. Algo como Agremiação Acadêmicos dos Montes não atrairia tanta gente.

Hoje tem ensaio e no dia 18 de fevereiro haverá um pré-carnaval. Muitos componentes já fizeram suas fantasias, enquanto os produtores esquentam os tambores sob o comando do mestre de bateria Alexandre Zuba. Outra pessoa importante para o Bloco é Alice Parrela, que vem fazendo os preparativos para a festa, enquanto os montes-clarenses mostram-se ávidos para seguir o Bloco, cair na folia, engrossar o cordão, e garantir seu sucesso.

Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários: