terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O quarto do Jack


* Por Eduardo Oliveira Freire


O filme narra a história de um menino de cinco anos que junto com sua mãe estão confinados em quarto e reféns de um homem louco ou psicopata. O tema é bem pesado, mas o enredo nos mostra forte relação de amor entre mãe e filho, além da superação do pós-trauma.

O olhar do garoto (ele é o narrador) expõe como se relaciona com o quarto-cativeiro. Como nasceu ali, considera o lugar como seu lar e por meio do lúdico e do lirismo infantil, percebe-se uma relação de afeto com o recinto. Lembrei-me de um livro de memórias de Rubem Alves (O velho que acordou menino), que num texto, o autor aborda a felicidade da infância. Quando se é muito pequeno, fica-se feliz por tudo. Isto acontece porque ainda não compara sua vida com a do outro. À medida que se cresce, encontramos paradigmas e se torna complicada a felicidade, visto que sempre estamos querendo ou buscando mais para a realização de nossos sonhos.

"Tudo o que eu disse sobre a ‘roça’ como lugar que a esperança abandonou só valia para os grandes. Eu era uma criança feliz. Infelicidade começa com a comparação. E eu não tinha como comparar. Bachelart observou que ‘a infância conhece a infelicidade através dos homens’ (A poética do devaneio. P.9.)”.

Tem um conto do Machado de Assis (Ideias do Canário) que aborda esta questão. A partir do encontro do homem com o pássaro, Machado mostra questões filosóficas e existenciais do ser. O homem ficou surpreso, quando o canário disse o que seu mundo era: “O mundo, redargüiu o canário com certo ar de professor, o mundo é uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga, pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira”. Então, ele comprou o canário, para estudá-lo e mostrar para a ave outras definições de mundo.

O conto evidencia como a concepção de mundo se relaciona com o lugar onde a pessoa vive, quanto mais conhecemos mais a gente enxerga outras possibilidades. No primeiro momento, o canário estava satisfeito numa gaiola nova; em seguida, na casa do novo dono: “um jardim assaz largo com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o resto”. Depois, “espaço infinito e azul, com o sol por cima”. Depois, o canário concluiu: “— Que mundo? Tu não perdes os maus costumes de professor. O mundo, concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o sol por cima”.

Jack quando descobre que o mundo é bem maior que o quarto, despede-se dele. Por meio dos pais e da mãe, percebe que precisa experimentar o mundo e não permanecer preso no quarto.

O processo de habitação da mãe é diferente. Como conhecia o outro mundo antes de ser raptada, sabia que era prisioneira e junto com seu filho corria risco de vida. Queria muito fugir para voltar para casa. Como era adulta tinha esperança de fugir. Como Rubem escreve " ...Esperança é coisa de gente grande, que vive no tempo, o passado, o futuro". Diferente de seu filho que só vivia o momento, sem passado e futuro para comparar. Mas o tempo passou e nada mais é como antes. Então, sente-se em desencaixe. Além, de ter sofrido pressão psicológica por muito tempo. Precisa se cuidar logo para que as feridas não se tornem traumas que não lhe permitam criar o filho.

Por fim, O quarto do Jack é um ensaio sobre as relações humanas. A abordagem do filme do antes e depois da mãe sair com o filho no cativeiro, foi bem rica e nos mostra que apesar de um fato terrível, pode-se encontrar um novo sentido de viver e seguir adiante.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/


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