quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Memória viva



* Por Luciano Siqueira


Ontem à tarde, quase na mesma hora em que um grupo de militantes de ultra direita invadiu a Câmara dos Deputados pedindo nova intervenção militar na cena política, presenciei, em sentido diametralmente oposto, uma notável demonstração de consciência democrática, na Escola Técnica Agamenon Magalhães-Etepam, no Recife, através do projeto “Adote uma memória – construa nossa História”, coordenado pela professora Analice Rocha.

O projeto, segundo a página que mantém no Facebook, tem como objetivo principal “promover o encontro entre a geração que está nas escolas hoje e as gerações que militaram contra a ditadura. Através desse contato, os estudantes escutarão as histórias vivenciadas pelos presos políticos e/ou seus familiares, construirão um memorial e socializarão suas impressões acerca desse indelével episódio histórico, como forma de gratidão a todos que contribuíram para a conquista do espaço de liberdade atual.”

Isso professores e alunos vêm fazendo muito bem, há quatro anos.

As condições limitadas de produção não tiram um milímetro da beleza e do extraordinário mérito que são a confecção de vídeos e a encenação teatral a cargo dos alunos.

Emoção a todo instante.

Jovens adolescentes se descobrem pertencentes a um povo que tem história e faz a História do Brasil.

Vivi a emoção de ver encenados momentos da minha militância (ao lado de Luci) desde quando muito jovem - da adolescência à clandestinidade e a prisão sob o regime militar.

E vi igualmente retratados momentos da vida e da luta de outros militantes ainda vivos ou falecidos – o cacique Xucuru Xicão, a professora Vera Gomes, os médicos Manoel Lisboa e Selma Bandeira, a advogada Mércia Albuquerque.

Não apenas o registro de fatos vivenciados, uma vibrante afirmação de valores que alimentam a militância nossa de cada dia.

No folheto mimeografado distribuído aos presentes – platéia formada sobretudo por mais de trezentos alunos -, a contextualização da investigação histórica como parte da promoção e da defesa dos Direitos Humanos – seja pelo incentivo à pesquisa e à produção textual, seja pelo incremento da discussão política e do sentimento de pertencimento à vida pública.

Assim, no âmbito de uma escola pública estadual, quase no anonimato, com precários recursos, mas com muita determinação e entusiasmo, o projeto “Adote uma memória” se afirma como um fortim da resistência à onda conservadora que hoje varre o país.

Uma experiência que vale disseminar no conjunto da rede pública, ao jeito dos alunos e professores de cada escola.

* Médico, escritor e político


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