domingo, 25 de setembro de 2016

Ler com prazer


* Por Nei Duclós 



Se você não tem biblioteca na maior parte do território urbano do país e se você chega numa livraria e só são destacados os livros descartáveis, e se essa situação ultrapassa as duas décadas, então você está formando gerações de analfabetos, por mais que falem em analfabetos funcionais. Quem sabe ler e não entende o que lê não é alfabetizado, ponto. Quem só procura livro para esquecer no dia seguinte está perdendo seu tempo com leituras sem sentido. Todo aprendizado é árduo e talvez esse seja o maior equívoco do cultivo da leitura: para evitar que os jovens se aborreçam com os livros tornados obrigatórios, achar que o período de aula deva se transformar num recreio.

Quando chega a hora do recreio, se a aula foi lúdica, o que o aluno deverá fazer? As novas gerações, como todas as outras, têm fome de sobriedade, de seriedade, de responsabilidade. Não se deve tirar de quem aprende o privilégio de percorrer um caminho difícil até o conhecimento. Partir para a brincadeira, achando que isso vai resolver, é desistir da luta.

A barreira maior entre uma formação completa e a situação em que todos fingem ensinar ou aprender é a indiferença. No filme Elefante, de Gus Van Sant (título que se reporta à fábula oriental de quatro cegos que tentam adivinhar o bicho tocando apenas uma parte dele), vemos o que faz a indiferença nutrida pela impessoalidade do ambiente estudantil. A ausência dos adultos nos problemas chaves da adolescência, a omissão diante de uma vida confinada ao luxo, geram massacres não compreendidos em suas causas. Tateamos o problema com nossas mãos cegas, enquanto se despejam na vida adulta milhões de pessoas sem a companhia fundamental do livro. Pelo menos, do livro inesquecível, o amigo certo para esta vida complicada.

Hoje existe uma tendência de tentar preservar as crianças de situações duras na hora de pegar os livros. Revi um dia desses, graças à Internet, o texto da minha primeira leitura, O Pequeno Lorde, de Frances H. Burnett O pai do narrador-criança morre no início da história! Nesse caso, não há concessões para a criança que vai pegar o livro. Falar com franqueza, não tentar iludir com expedientes marotos, é a maneira mais sólida de conquistar leitores. Deve haver um sentido para ficar horas do dia em frente às palavras. Não será colocando a grande aventura de estar vivo para debaixo do tapete, ou mentir sobre nossos destinos, que vamos conseguir algum resultado.

O mal do livro obrigatório é que limita a mobilidade de quem procura o que ler. Deveria ser liberada a busca pela leitura mais adequada (claro que com acompanhamento). Gostar de ler significa encontrar no livro algo que prenda a atenção e emocione. Se isso não for feito na escola, o novo leitor será presa fácil dos livros descartáveis. Pois ele vai procurar o prazer negado na aula, o prazer que nada tem a ver com aprendizado lúdico, mas com a legítima vontade de aprender que trazemos do berço. Não se lê com prazer quando somos forçados a engolir pedreiras literárias nos verdes anos. Ou quando somos levados a brincar de aprender na hora da primeira dificuldade.

* Autor de três livros de poesia: “Outubro” (1975), “No meio da rua” (1979) e “No mar, Veremos” (2001); e de um romance: “Universo Baldio” (2004). Jornalista desde 1970 e bacharel em História. Trabalha atualmente em Florianópolis, onde é editor-executivo de duas revistas.





Um comentário:

  1. São quatro livros impressos de poesia, dois romances impressos e há muitos anos sou ex-editor das duas revistas. Não tem perigo de corrigir isso? O editor não lê o próprio blog? Já avisei inúmeras vezes aqui, em vão.

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