quarta-feira, 20 de julho de 2016

“Entre por essa porta agora, e diga que me adora, você tem meia hora, pra mudar a minha vida” (Vambora, Adriana Calcanhoto)


* Por Mara Narciso


Desde seu sucesso nacional “Mentiras” – “nada ficou no lugar, eu quero quebrar essas xícaras...” – que me despertei para a delicadeza da voz e da poesia de Adriana Calcanhoto, uma mulher de pele clara, olhos azuis, linda e forte, ainda que tenha voz aparentemente frágil. Ficava ouvindo seu CD Perfil com a seleção de suas principais músicas, imaginando o seu amor, a sua paixão, visualizando sua narrativa poética, seu cenário, sua vida. A minha preferida é esta do título em que ela dá um ultimato ao fruto da sua paixão que, ao que parece, quase não aparece, pois diz “vem, vambora, que o que você demora, é o tempo que leva”. E continua a me comover como da primeira vez.

Alguns anos depois de me tornar fã, soube que Adriana Calcanhoto não tinha um namorado e sim uma namorada. Com a revelação, senti as minhas imagens ruírem. Fora o amor, sentimento verdadeiro, tudo que imaginei era falso. O que fiz? Coloquei o CD para tocar e a cada verso, passei a imaginar não o namorado, mas a namorada. Assim, tudo voltou ao seu lugar. Também soube, recentemente, que a namorada de Adriana tinha partido, desta vez, para sempre. Quando o amor perde, eu perco também. Fiquei sensibilizada com essa perda, li sobre seu sofrimento, e o entendi, pois todos já vivemos um adeus definitivo.

Após a leitura do livro “Amor do princípio ao fim”, em que Glorinha Mameluque narra a doença e a longa despedida do seu marido Pedro Mameluque, fui escrever um comentário. Como Glorinha cita trechos poéticos da literatura, da música e da Bíblia, referente a despedidas, eu, imitando-a, coloquei como título o verso final da música “Naquela Estação” que fez relativo sucesso na voz de Adriana Calcanhoto: “E o meu coração, embora finja fazer mil viagens, fica batendo parado naquela estação”. Não bastou. Levei o CD para o carro e a ouvi durante muitos dias. Estava, pois, impregnada pelo sentimento do fim na voz suave da cantora. O amor e a morte são as nossas profundezas emocionais, e elas estavam todas ali.

A Festa Literária Internacional de Paraty reserva prazeres inesperados, e a Casa Folha é um dos seus palcos. Após um dia exaustivo de mesas de discussão e palestras de manhã até a noite, parto para lá com uma amiga, Felicidade Patrocínio, largando para trás a Tenda dos Autores. Na porta tem gratuito o jornal Folha de São Paulo, dou uma espiada, recebo duas fichas que dão direito a duas taças de vinho, vejo a movimentação de três rapazes que passam o som, encosto-me num dos armários, colocando no chão minha sacola de livros, e espero. O trio, o mesmo do ano passado, sobe no pequeno tablado e começa a tocar. Imitando o meu filho, mal terminam a primeira música, para provocá-los, eu grito: toca Raul!  Estou tão perto, que ouço o crooner queixar-se para o baixista: “a gente ensaia tanta coisa e pedem para a gente tocar Raul”. Após outras músicas, é cedo ainda, a casa nem está tão cheia, com público bebendo e comendo salgadinho de pacote, o cantor Moreira Júnior anuncia Adriana Calcanhoto, que atravessa o pequeno recinto, dirige-se para o tablado exíguo, coloca a correia da guitarra no pescoço, e num esforço, esquecendo parte da letra, canta “Vambora”. Nessa movimentação, eu fico a meio metro dela, tirando fotos e cantando, sendo que, ao final, peço a amiga para me fotografar, coisa que quase todos fazem, simultaneamente. Terminada a música, aplausos e pedido de mais um, porém ela não atende ao apelo popular, tira o instrumento musical por sobre a camisa de seda preta, e, dizendo “estou de férias”, desce e sai.

A sua rápida aparição foi mágica para mim, pois estava imersa em sua voz e poesia, desde dias antes, ficando imagens de uma cantora inesquecível. Palavra de fã.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



Um comentário:

  1. Também sou fã da Adriana. Um talento raro e possuidora de uma cultura vastíssima - qualidade que nem todos os seus fãs conhecem.

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