terça-feira, 28 de junho de 2016

O multitalentoso Antonio Vieira


O padre Antonio Vieira foi uma das personalidades mais fascinantes e, simultaneamente mais polêmicas, do seu tempo, dotado de múltiplos talentos. Além de religioso, tem que ser, forçosamente, classificado como filósofo, escritor e orador, para lhe fazer justiça. Ainda hoje, muitas pessoas (entre as quais me incluo) veneram-no, embora outras tantas o detestem, estas últimas, ao que me parece, por absoluto desconhecimento de causa. São os tais que adotam a estúpida postura do “não li e não gostei”, quando se trata de opinar sobre sua vasta obra, consistente, basicamente, de mais de 200 sermões e de 700 cartas, além de uma considerável série de tratados, que perfazem respeitável coleção de livros de 35 volumes (se eu não estiver enganado). Mesmo os que não o apreciam (por razões que talvez nem eles mesmos consigam explicar), são forçados a admitir que Antonio Vieira foi um dos mais influentes personagens do século XVII, e em dois continentes: a Europa e a América do Sul, mais especificamente, o Brasil.

Embora nascido em Portugal (era lisboeta) – em 6 de fevereiro de 1608 – pode ser considerado brasileiro, brasileiríssimo. E por que afirmo isso com tamanha convicção e ênfase? Porque veio para o nosso país quando tinha, apenas, seis anos de idade. Seu pai, Cristóvão Vieira Ravasco, que era servidor público, foi transferido para Salvador, na Bahia, em 1614, para assumir o cargo de escrivão. Aqui o menino Antonio viveu sua infância. Aqui fez os primeiros estudos, no Colégio dos Jesuítas da capital baiana. Aqui abraçou a carreira eclesiástica, tendo ingressado, como noviço, na Companhia de Jesus, em maio de 1623. Aqui tomou os votos de castidade, pobreza e obediência. Enfim, aqui foi ordenado e começou a atuar, sobretudo, como um inusitadamente comunicativo pregador.

É essa figura multitalentosa (e, insisto, polêmica) que me proponho a estudar, junto com vocês, mediante comentários estritamente pessoais, posto que baseados em fatos, em documentos, em confiáveis registros históricos. A ênfase, claro, será sobre sua influência na literatura de língua portuguesa. O pitoresco é que, a despeito de ser considerado modelo de estilo literário em muitas faculdades de letras do Brasil e de Portugal, Vieira jamais se considerou “escritor”. Os textos que legou à posteridade foram escritos não para leitores, mas para ouvintes. Afinal, são sermões que pregou em igrejas portuguesas, brasileiras e romanas (estas no tempo em que permaneceu em Roma, tentando se livrar de uma condenação da temível Inquisição).

Antonio Vieira teve intenso ativismo político, defendendo teses que hoje são consensuais, mas que, então, no longínquo século XVII, eram tabus. Por exemplo, defendeu, com coragem e com paixão, os direitos dos povos indígenas do Brasil, opondo-se, vigorosamente, contra a exploração e a escravização dos silvícolas, contrariando, inclusive, política oficial da cúpula da Igreja a que servia, que via neles algo intermediário entre animais irracionais e seres humanos. Arranjou inúmeras e poderosas inimizades com isso. Contudo, era venerado pelos índios, pelos quais era chamado de “Paiaçu”, que significa “Grande Pai” na língua tupi. Outra causa “perigosa” que Vieira defendeu foi a dos judeus. Se o preconceito contra essa etnia ainda hoje é estupidamente imenso – Os nazistas tentaram, simplesmente, exterminá-la – no século XVII mão era menor.

Eles eram, por exemplo, forçados a se converter ao cristianismo. Os que se recusavam, tinham os bens expropriados e tinham muita sorte se lograssem escapar da fogueira da Inquisição. Mesmo convertidos, os judeus, chamados de “cristãos novos”, eram discriminados em relação aos cristãos tradicionais. Vieira opôs-se, vigorosamente, a essa distinção. Era, como se vê, um humanista de primeira linha, que nada ficava a dever aos atuais, tão reconhecidos, reverenciados e premiados. Outra das causas polêmicas que defendeu foi a abolição da escravidão, e quase dois séculos antes que surgissem os primeiros abolicionistas. E, para complicar ainda mais sua situação, não poupava críticas aos próprios sacerdotes católicos, que se corrompiam e não davam a mínima para seus votos sacerdotais. Convenhamos, era necessária muita coragem para assumir posturas como estas, que Vieira assumiu.

A nós interessa, especificamente, sua influência na Literatura. Seus sermões têm enorme importância, tanto no barroco brasileiro, quanto no português. E isso, insisto, sem que fosse escritor de ofício. Seus sermões são verdadeiras aulas de estilo. Seus textos soam muito melhor (claro) quando lidos em voz alta. Afinal, foram concebidos para isso. Para serem verbalizados. Destaque-se que na sua época o analfabetismo era generalizado, em todas as classes sociais e no mundo todo. Alguns documentos da época estimam que, em Portugal, ele passava dos 90% da população. No Brasil, beirava os 100%. Ainda assim, sem perder a elegância, a clareza e a beleza literária, os sermões de Vieira eram entendidos por todos os fieis, o que se constituía em enorme façanha em termos de comunicação. Não por acaso, as principais universidades, brasileiras e portuguesas, frequentemente, exigem a sua leitura. Da minha parte, recomendo-a a todos os que amam a Literatura.

Boa leitura.


O Editor.

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