quarta-feira, 22 de junho de 2016

Delírio azul

* Por Clóvis Campêlo


Entre os rios e o mar, Recife é um delírio azul. Dos sonhos dos homens, fez-se a cidade que sempre encantou poetas e imperadores. Dos sonhos dos homens e dos aluviões, matéria orgânica semeando o futuro sobre as águas.

Entre risos e bares, Recife é um transe etílico. Do porre dos poetas, fez-se a literatura nem sempre bem comportada que alicerçou a sua fama de reduto de bardos e bêbados. Em bandos ou solitários, a margear as águas nem sempre límpidas do mangue.

Sobre rios, pontes e overdrives, Recife é sinuosidade, é extravagância, superação de limites. Na sua concepção, em nada, porém, difere de todas as outras cidades do mundo. É equívoco, prisão, neuroses, contenção. Recria-se sempre sob a ótica do pragmatismo capitalista, a grana erguendo e destruindo coisas belas, sequelas.

Entre o passado e o futuro, Recife é o presente nem sempre bem compreendido. Onde estarão os botos do Capibaribe, espantados pelo vinhoto das suas usinas de açúcar e pelo murmúrio incessante das suas máquinas modernas? Recife perde-se na sua própria contemporaneidade. Que cidade é essa? Deitada para sempre no berço esplêndido da planície aluvional, a esperar com paciência o beijo libertador do cavaleiro do futuro.

Quantas vezes nos renderemos à luz do luar secular? Quantas paredes se ergueram entre ela e o seu solo úmido? Quantos séculos ainda esperaremos pelo que nunca existiu, pela essência para sempre perdida do passado, dos casarões malassombrados, do vento morno do verão que nunca nos açoitou as faces?

A gente precisa ver o luar!

* Poeta, jornalista e radialista.


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