quinta-feira, 26 de maio de 2016

Úteis e prazerosos

* Por Pedro J. Bondaczuk

Há dois grandes tipos de leitura: os necessários, posto que nem sempre agradáveis, e os prazerosos, que até são dispensáveis, mas com os quais, ainda assim, sempre aprendemos alguma coisa. Há quem não goste de textos longos (a maioria não gosta), com parágrafos massudos e páginas e mais páginas de extensão. Às vezes, porém, estes é que são os melhores, mais claros, mais coloquiais (embora nem sempre).

Não há nenhuma receita pronta para se redigir textos que sejam, simultaneamente, agradáveis e necessários. Ou seja, prazerosos e úteis. Dificilmente alguém conseguirá escrever um livro de filosofia, por exemplo, que seja acessível a todos e atraia leitores dos mais diversos níveis de cultura, desde os apenas parcamente alfabetizados, aos eruditos.

Trata-se de um assunto específico, eivado de jargões que lhe são característicos e que muitas vezes temos necessidade de ler, gostemos ou não, para complementar, por exemplo, o perfil comportamental de algum dos nossos personagens. É leitura necessária, portanto. Mas, salvo raras exceções, não é prazerosa. Poderia ser? Claro, poderia. Aliás, deveria. Mas...

Seja, porém, qual for nossa opção, se por assuntos e formas de expressão agradáveis ou se por temas que raramente dêem prazer, embora pertinentes e necessários, não podemos, jamais, em hipótese alguma, descambar para ambigüidades. O que escrevermos tem que ser, SEMPRE, claro, objetivo e direto, rigorosamente exato em todos os sentidos, sem o menor erro, quer de informação ou conceito, quer, e principalmente, de linguagem (gramatical, semântico etc.etc.etc.).   

Escrevi, há mais ou menos dez anos, meio que em tom de desabafo, que existe pouca coisa no mundo para o escritor que seja mais chata do que a necessidade de justificar o que escreve. Aliás, essa chatice é extensiva a todas as atividades. Perde-se um tempo imenso, e precioso, com justificativas, que não trazem qualquer proveito a ninguém. Para quem escreve, isso se torna ainda mais penoso e aborrecido. Por isso, o escritor tem que prevenir, ou melhor, evitar essa aborrecida situação.

A Literatura é, no que diz respeito à produção, atividade rigorosamente solitária. É feita por uma única pessoa e exclusivamente por ela. Nos momentos de apuro, não tem a quem recorrer. Ou tem “garrafa para vender” ou corre o risco de resvalar para o ridículo. Ela é que tem que “policiar” o que escreve. A ela compete não cometer erros de conceito e muito menos de grafia, de gramática etc.

Por mais que tentemos estabelecer diálogo com o leitor, nossos textos findarão por ser, sempre, sempre e sempre, meros monólogos. Nunca saberemos se o que escrevemos será interpretado exatamente como queremos. Aliás, raramente o é. É um risco que teremos que correr. Daí a necessidade da absoluta clareza e a proibição de ambigüidades.

Escrever é, mais ou menos, o que o escritor Cesare Pavese concluiu acerca da poesia. Ele afirmou, certa ocasião: “Fazer poesia é como fazer amor: nunca se saberá se a própria alegria é compartilhada”. Redigir qualquer texto literário é mais ou menos assim também.

Aceitei, há mais ou menos uma década (e nem sei por que fiz isso) o desafio de virar a Literatura pelo avesso. Ou seja, de dissecá-la e abordá-la em todos (ou quase todos) seus aspectos. Minha intenção inicial era a de fazer dessas tantas considerações mero bate-papo diário entre companheiros que exercem e amam a mesma atividade. Ou seja, era para ser conversa descontraída, como as que temos uma vez ou outra num botequim qualquer, regada, muitas vezes, a cerveja ou a uísque, dependendo do gosto e, principalmente do bolso de cada um. Não visava, pois, pelo menos em princípio, me aprofundar em nenhum aspecto específico da Literatura, até por falta de tempo para a devida pesquisa.

Lá um certo dia, entretanto, tive a infeliz idéia de tentar unir “o útil ao agradável”, pelo menos na minha ótica pessoal. Cismei de abordar assuntos que julgava seriam de grande valia notadamente para os aspirantes a escritores, já que sabia da alta freqüência de estudantes de Letras e de Jornalismo nos espaços que disponho na internet.

Foi a pior besteira que cometi. Antes me limitasse ao bla-bla-blá vazio e sem conteúdo, como a infinidade que há na rede mundial afora, embora “bonitinho” de se ler, valendo-me do mesmo artifício de que muito pseudoliterato se vale. Ou seja, do que costumo classificar de “pirotecnia verbal”. De textos muito bem escritos, sonoros, atraentes, mas absolutamente sem conteúdo.

Prevaleceu, todavia, meu lado de professor, que nunca me abandonou. Sem tempo para pesquisa, baseado, apenas, na experiência pessoal e na memória (que amigos exagerados classificam de “prodigiosa”), meti-me a abordar os mais variados aspectos dessa complexa e decepcionante atividade, da qual sobrevivo, tendo o cuidado de não deixar de comentar nada.

Ora, por mais que haja coisas a escrever sobre Literatura, o tema não é inesgotável (nada é). Mesmo que tivesse tempo para pesquisa (o que, reitero, não tenho), chegaria um momento em que, fatalmente, precisaria me repetir. Para que vocês tenham uma idéia das minhas dificuldades para ser minimamente original (e para que?!), informo que apenas de março para cá, já redigi mais de 300 textos, todos tratando de Literatura. Impressos, eles perfazem por volta de 700 páginas!!!

Apontem-me quem consegue a façanha de escrever tudo isso, e reitero, sem tempo para pesquisar e baseado exclusivamente na memória, sem se tornar, em dado momento, repetitivo! Em que lugar vocês já viram isso? Quem foi o autor de tamanha (e hoje sinto que inútil) empreitada e, ainda mais, tendo que, volta e meia, se explicar?

Continuarei, pois, fazendo como faço ao escrever um conto, um poema, um romance ou uma crônica. Farei tudo da minha maneira, como e quando quiser. E como acontece em relação aos meus livros, também me submeterei ao veredito implacável do leitor. Mas sem me explicar de novo, por nenhum motivo, a quem quer que seja.

Isso não quer dizer que eu não esteja consciente de que nosso desafio é escrever, simultaneamente, algo que as pessoas necessitem saber, mas de forma que o texto seja claro, atrativo, gostoso e, sobretudo, acessível tanto ao físico nuclear, quanto ao engraxate da porta da barbearia, que mal sabe soletrar as palavras que lê. Impossível? Não diria tanto. Difícil? Sem dúvida alguma! Mas continuarei tentando, enquanto contar com sua paciência (e complacência) querido leitor.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk


Um comentário:

  1. Ótimo não ter de explicar nada. É péssimo quando inventam de ditar normas e querer engessar a escrita numa determinada estética ou rigor científico.

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