quinta-feira, 28 de abril de 2016

Rei dos moços, tirano dos velhos


* Por Pedro J. Bondaczuk


O que seria do mundo se não houvesse amor, em suas várias formas de manifestação? Se com ele, já há tanta miséria, egoísmo, injustiças e corrupção, sem ele, provavelmente, nossa espécie já teria se auto-destruído, num torvelinho dantesco de violência e de horror. É o amor que nos dá forças para suportar as intempéries da vida. É ele que nos motiva às grandes realizações. Por ele, desenvolvemos nossas melhores características e sufocamos os mais baixos instintos.

Foi o amor que motivou a construção de cidades, templos e monumentos. Foi ele que inspirou os mais belos poemas, canções, pinturas e esculturas. Ele é que nos faz amar a vida e ter esperanças de um mundo melhor. Até os mais sanguinários bandidos, os mais perversos e cruéis, já experimentaram, um dia, as delícias do amor, o que os impediu de serem ainda piores.

Uma das afirmações que mais tenho ouvido por aí é a de que “o amor não tem idade”. E não tem mesmo. Na prática, todavia, as coisas não são tão consensuais quanto se dá a entender. Pessoas mais idosas, quando amam, são vistas com desconfiança, quando não são vítimas de galhofa, como se não tivessem mais direito a um afeto, por causa dos muitos anos que viveram.

Parentes, provavelmente de olho na sua herança, por exemplo, fazem o possível e o impossível para impedir novos relacionamentos dos mais velhos. Jovens, por sua vez, fazem anedotas a respeito, esquecidos que um dia também irão envelhecer e ser vítimas desses mesmos preconceito que alimentam.

O tempo não pára, e para ninguém. O mito da eterna juventude não passa apenas disso: de mero ideal que todos sabem, de antemão, que é inviável. Este é o sentido que Machado de Assis quis dar à afirmação (verdadeira, por sinal) que “o amor é o rei dos moços e o tirano dos velhos”. Bendita tirania!     

Contudo, nunca é tarde para se amar. Aliás, é sempre cedo. Para o amor, não há condicionantes e nem tempo determinado. Devemos usufruí-lo sempre, a cada momento, a cada segundo (que pode ser o nosso derradeiro) com empenho e devoção, pondo nessa empreitada tudo o que somos e temos. Devemos ter em mente que o tempo nunca pára. Que cada segundo desperdiçado não tem retorno e nos fará muita falta mais adiante.

O amor não é adiável, algo que se possa deixar para depois, para um futuro que nem sabemos se teremos. Embora seja uma idéia incômoda, não podemos perder de vista o fato de que somos mortais, efêmeros, transitórios e passageiros. Por que se privar desse privilégio, dessa bênção, dessa dádiva divina que nos adoça a existência?

O amor tem que ser vivido, sempre, no superlativo. Quanto mais intenso for, maior devemos tentar fazer com que se torne. Para ele não há e nem pode haver limites. Os poetas criaram, até, estranha metáfora para expressar o absolutismo desse maiúsculo sentimento: morrer de amor.

A rigor, convenhamos, ninguém morre dessa causa, claro. E se morresse... seria morte gloriosa. Morre-se, é verdade, de amor não-correspondido, o que é outra coisa. Esse, sim, é um sofrimento que não desejo nem para o pior inimigo. Mas quando há correspondência! Ah!, os amantes conseguem a façanha de transportar o céu para a terra. As pedras e espinhos não lhes ferem os pés, frio e calor não os incomodam e um vê a vida (como incrível magia) nos olhos do outro. É um delírio!

O amor, na verdade, não é um sentimento isolado, único, mas um conjunto de sensações e emoções (não raro contraditórias) que nos toma por inteiro e preenche todo o nosso tempo, às vezes toda a nossa vida. Pode até acabar (de morte natural ou não), mas sempre haverá de nos deixar profundas marcas, em que se misturam saudade e despeito. Supera as limitações do tempo, não tem passado ou futuro e é um eterno presente, mesmo que sobreviva apenas na recordação.

Paradoxal, o amor nos proporciona o máximo do prazer e os mais intensos sofrimentos, de acordo com as circunstâncias. É a feliz união entre a emoção e a razão, entre o concreto e o abstrato,  entre o instintivo e o racional. É, simultaneamente, egoísmo e altruísmo, posse e doação, carne e espírito.

Mas amar, ao contrário do que possa parecer, não é tão fácil quanto se apregoa. Para que esse sentimento se manifeste e se realize, em sua plenitude, temos que abrir mão de grande parcela do nosso egoísmo e do nosso arraigado e não raro exacerbado egocentrismo. Apregoar o amor não é difícil, pelo contrário. Senti-lo, também não chega a beirar a impossibilidade e não envolve maior complexidade. Mas vivê-lo em sua plenitude é que são elas! Para isso, temos que relevar os defeitos alheios, que a rigor não são maiores do que os nossos, sem ares de superioridade ou tentativas de imposições.

Disse alguém (não me recordo quem), que “amar é como saborear o melhor vinho...deixá-lo decantar lentamente, segurá-lo gentilmente, saborear gole por gole. Não se cultiva uma grande vindima. É preciso criá-la... O amor requer atenção integral e cultivo permanente. Mas o trabalho que venha, eventualmente, a dar é mais do que compensador, pelas delícias que nos proporciona. Só conhece a sua grandeza e transcendência quem o sente ou um dia sentiu.

Vinícius de Moraes escreveu, em um de seus poemas mais célebres, que “para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor”. Experimente! Vale a pena. Aliás, como ressaltou Fernando Pessoa, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk




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