sábado, 20 de fevereiro de 2016

Pelos foros do idioma

* Por Octávio Mangabeira


Poderia dirigir-vos a palavra usando de outro idioma, que vos fosse mais acessível. Acredito, entretanto, prestar-vos afetuosa homenagem, falando-vos aqui na mesma língua em que falam, através dos vinte Estados em que se divide o país, os trinta e sete milhões, que somos atualmente os brasileiros. Índice, tão expressivo, da unidade nacional, que é, por seu turno, o mais caro dos nossos patrimônios, é nela que nos habituamos a exprimir as nossas emoções, entre as quais não é pequena a que nos inspira este espetáculo de fraternidade universal; nela se escreveram os nossos hinos, entre os quais é dos mais entusiásticos o que entoamos em vosso louvor; por ela recebemos, há quatro séculos, dos navegadores portugueses que nos descobriram o território, a sagrada missão de cultivar, para que florescesse e prosperasse, nestas paragens da América, uma pátria que seria um dos redutos da latinidade no mundo.

(Do discurso pronunciado pelo Sr. Otávio Mangabeira, Ministro de Estado das Relações Exteriores, na sessão inaugural da 13ª Conferência Parlamentar Internacional do Comércio, em 5 de setembro de 1927.)

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Recomendo a Vossa Excelência que, no desempenho das funções de representante do Brasil, procure cooperar, sempre que for oportuno, e por todos os meios idôneos que as circunstâncias lhe proporcionem, para a expansão e o prestígio da língua portuguesa. Lembrando-se, no estrangeiro, do idioma, que é uma viva expressão do país, não deixará de estar Vossa Excelência prestando o seu culto à Pátria.

(Circular n. 231, de 24 de maio de 1928, enviada pelo Sr. Otávio Mangabeira, Ministro de Estado das Relações Exteriores, às Missões Diplomáticas e aos Consulados de carreira, sobre a expansão e prestígio da língua portuguesa.)

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Grata honra é para mim a de receber, meus senhores, da colônia portuguesa no Rio de janeiro, esta insigne homenagem. Abri o coração a Portugal, desde que abri os olhos para a vida do entendimento e do espírito: pela grandeza, sem par, das suas epopéias; pelos serviços, sem conta, de que lhe é devedor o Brasil.

Aos portugueses e, sobretudo, aos que edificaram entre nós a tenda dos seus trabalhos e o lar das suas famílias, habituei-me a não considerar, por assim dizer, estrangeiros, tão absoluta a comunhão em que se confundem conosco, tão evidentes as afinidades, tão decisivos os laços, tão velhas, tão profundas, tão sagradas as relações que fazem dos dois povos, de certos pontos de vista, o prolongamento um do outro.

Entre as heranças que de Portugal advieram ao Brasil, e no Brasil se avigoram, e hão de desenvolver-se e reflorir, há uma de significação incomparável: é a língua em que falamos.

Agradecido ao privilégio que teve de penetrar-lhe os segredos e de realçar-lhe os primores, cantou-a Olavo Bilac nestes versos, sem que suspeitasse, talvez, de que dela deixava, nestes versos, uma expressão imortal de graça e de beleza:

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: Meu filho!
E em que chorou Camões, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Bendita seja! Exaltemo-la! Honrá-la é honrar pai e mãe, que nô-la transmitiram com o seu sangue. Tenho dito. Tenho dito com toda a minha alma. Não há porque não dizer mais uma vez. Defendê-la, preservá-la, é preservar, é defender a pátria.

Devo ter, do vosso ato, distinguindo-me com tais demonstrações, a compreensão verdadeira. Sei bem o que sou e o que fiz. Ministro das Relações Exteriores, exprimi, por palavras e atitudes, aliás da maior simplicidade, um grande sentimento que é comum a Portugal e ao Brasil. Nada mais. Não é, portanto, a mim pessoalmente que se tributam essas honras: é, antes, a uma bandeira, que abriga os dois países, e que me coube, por dever do cargo, em um dado momento, empunhar.

Do episódio a que assistimos, guardará esta casa lembrança no bronze que lhe trazeis. Ei-lo, testemunho inolvidável de que, Brasileiros e Portugueses, nos orgulhamos do nosso idioma, tanto quanto da terra em que nascemos ou das origens de que provimos. Por ele se inflama o nosso entusiasmo, por ele vibra o nosso ardor patriótico, por ele estremece o nosso coração.

Agradeço ao vosso intérprete, sem dúvida um dos mais autorizados que poderia falar em vosso nome - e o fez com tanta eloqüência - as palavras de tamanha bondade, que são como um novo prêmio que me houvésseis conferido. O documento que me ofereceis, honrado pelas vossas assinaturas, é um título de que me desvaneço. Os que se encontram nos postos, como este que ora ocupo, necessitam de apoios e de estímulos, como este que ora recebo.

Glória a Portugal, glória ao Brasil! O ramo do tronco latino, que constituímos no mundo, não há de perecer. Nutrido, alimentado pela seiva de cada geração, há de substituir honrando a árvore, sobre a qual se processa, impunemente, a seqüência dos séculos; há de cobrir-se de flores, há de pejar-se de frutos, há de agasalhar à sua sombra um dos principais entre os redutos da civilização humana.

Assim não desmereçam as nossas pátrias da devoção de seus filhos, e, antes e acima de tudo, da proteção de Deus!

(Discurso proferido pelo Sr. Otávio Mangabeira, Ministro de Estado em agradecimento a manifestações da Colônia Portuguesa.)


* Engenheiro civil, jornalista, professor, político, diplomata, orador e ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras.

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