sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

51 anos da morte de Nat King Cole

* Por Urariano Mota


No romance O Filho Renegado de Deus, eu já havia observado:

“Aquelas canções, se não eram a pátria do socialismo, a terra prometida da fraternidade, eram de um reino onde cabiam todos os humanos, sem data na sua data, de raça mas sem raça, americana mas sem americano, vale dizer, a música que nascida naquela podre sociedade e tempo não era só daquela sociedade e tempo. Pois o que, recordava, podia superar a voz de Nat King Cole em Blue Gardenia ou Stardust? Ali ninguém precisava falar inglês, ali eram todas as línguas, todas as pátrias, todas as cores, do arregalado olho negro ao apertado amarelo“.

Fora do romance, para mim, Nat King Cole foi um dos melhores cantores de música popular. Não digo o melhor porque me acompanho todos os dias agora, me abrigo e me fortaleço na voz amadíssima de Ella Fitzgerald. Então, que ele seja um dos melhores. Parece mentira, mas Nat King Cole era tão bom intérprete, que cantava em espanhol e português sem saber uma só palavra, somente pela reprodução dos sons da língua. Foi com ele, e a sua voz, que o recifense Antônio Maria ganhou fama mundial com a música Ninguém me Ama. Lembro sem consulta um disco em espanhol em que ele nos encanta com Cachito e aquela canção cheia de graça chamada Adelita, que um amigo gaúcho uma vez me contou ser a preferida em sua cidade, em Sarandi, no interior do Rio Grande do Sul.

Toda uma geração, minha, dos meus amigos, ficávamos hipnotizados por Nat King Cole nos cinemas de subúrbio, no Olympia ou no Cine Império. Antes do filme começar, a sua entonação, voz, afinação e música eram tão boas, que a gente nem se lembrava muito da hora do filme, na matinê dos domingos. Nesta manhã em que escrevo me chega a voz de Nat King Cole cantando como naqueles anos, na tela do Cine Olímpia, do Cinema Império. Ouço Nat arremedando o espanhol “adios, mariquita linda”

Então não sabíamos que aquele era um dos melhores cantores do mundo. Pensávamos que fosse somente o maior  do subúrbio de Água Fria. Depois, na maturidade, Nat reconquistou todos os seus direitos de cidadão e grande artista, quando sobre ele peguei um documentário na Classic Vídeo, lá na Torre. No filme, Harry Belafonte e Frank Sinatra falavam dele coisas que eu não percebia, por ser leigo. Por exemplo, Sinatra contava que não havia no mundo quem pusesse a voz no começo e no meio de uma canção como Nat. Isso queria dizer: como Nat King Cole era também exímio pianista, ele punha a voz como um novo acorde do piano, no começo ou durante, e a canção não sofria descontinuidade.

Era uma harmonia só.

Nesse documentário pude ver coisas tristes também, como o golpe baixo que o gênio da música sofreu ao morar em um bairro branco, único negro no lugar, e teve seu cachorro de estimação morto pelos racistas. Então, agora, procuramos um derivativo, como se a voz de Nat King Cole fosse uma solução, como se a sua interpretação e voz resolvessem o insolúvel, porque podemos todos ter um amargo que se torna suave. Como em Blue Gardenia, aqui.

“Blue Gardenia
Now blue I'm alone with you
And I am oh so blue
She has tossed us aside
And like you, gardenia
Once I was near her heart
After the teardrops start
Where are teardrops to hide
I lived for an hour
What more can I tell
Love bloomed like a flower
Then the petals fell
Blue gardenia”

Fica dele, acima do crime do racismo, como uma superação da escória humana, a sua divina interpretação em Stardust, que para mim antecipa o que pode ser o homem, no magnífico da sua bondade.

 * Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.


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