quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Princesa II


* Por Urda Alice Klueger


(Para Dona Lydia Scheffler dos Santos)


Penso tanto, hoje, na minha Princesa, aquela que vi a última vez faz dois anos, no dia do aniversário dela, lá naquele Hospital Misericórdia que parecia uma antessala de um paraíso daqueles que a gente imagina cheio de anjinhos de camisolinhas de seda bordada... Ela era toda serenidade e ternura, lá, com seus cabelos tão finos e brilhantes quanto fios de cristal, e as mãos transparentes de tanta fineza, como são as mãos das princesas... Fiquei a acariciar aquelas mãos, os cabelos, o rosto tão bonito, a falar coisas com ela que só nós duas entendíamos, pois tinham sido tão grandes as afinidades que nos tinham unido na alegria e na dor...

Mês e meio depois e eu estava em Buenos Aires, e enquanto dormia um soninho, à tarde, sonhei com ela. Algo passara, me dizia o sonho, e acordei angustiada, incerta – tanta lonjura e eu a sonhar com a minha princesa – o que seria? Foi levantar e espiar a internet – ela partira.  E eu estava tão longe, tão longe...

Foi um verão de calor muito intenso. Esperei que amainasse – penso que já era março quando fui pela primeira vez ao seu túmulo, para aquele momento de despedida. Minha princesa me esperava, estava ali para uma conversa séria. Eu podia sentir como ela segurava com firmeza as minhas mãos nas suas mãos que se tinham tornado de luz, enquanto me dizia que eu me tornava responsável pela sua descendência. Era uma coisa forte, difícil, pesada para se carregar através da vida, mas ela era taxativa. Até hoje estou pensando na profundidade do que me disse – não sei como cumprir com o que espera de mim, mas fico de peito aberto para a sua determinação.

Princesa querida, que foi mãe tantas vezes, que foi avó de tantas meninas e meninos, que foi bisavó de tantos mais que vieram, que tem uma descendência inteira, ainda, a nascer...  Não sei como poderei de alguma forma cumprir o que me disse, mas senti tanta honra que o dissesse... Em algum momento o tempo e a vida me ensinarão o que deverá ser feito.

Hoje passei naquela Vila Itoupava onde a vi pela última vez faz dois anos, e estou a relembrar tanto! Sei, sinto, pressinto, estou ciente que o seu Príncipe Consorte também quer falar comigo. De uma certa forma, tenho me esgueirado um pouco, me desviado um pouco dessa conversa que ele quer ter... sequer sei como chamá-lo. Tudo o que sei sobre ele foi de ouvir contar, e o que mais me lembro dele é daquele ríctus de amargura que tinha no canto da boca quando o castelo de ambos desmoronou e eu ia olhá-lo com tanta, muita timidez, lá nos contrafortes daqueles muros derrubados... A pena, então, me cortava o coração, se é que se pode cortar algo que já está estraçalhado... Tenho que atendê-lo em algum momento, no entanto. Há algo que ele quer me dizer, penso que sabes o que seja. Noutro dia escrevi sobre ele e chamei-o de “Filho do seu Thomé” – não sei se alguém se deu conta de que era dele que eu falava.

Ajude-me a achar um nome adequado para falar com ele, minha Princesa, pois ele me chama para alguma coisa.

Vou esperar. Sei que a tua sabedoria resolverá isto. Para mim, és a personificação da ternura e do amor, e tais coisas tudo podem...

Como te quero tanto, minha princesa tão amada!



Joinville, 13 de Novembro de 2015.


* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).



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