quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

É Natal outra vez

* Por Harry Wiese

Sim, é Natal outra vez. O corre-corre de todos os anos retornou. Ouvem-se as mesmas músicas; o tom das propagandas também é o mesmo. Ruas e casas são enfeitadas. Há cigarras cantando, bem poucas este ano. Há muitas crianças felizes e algumas tristes. Também existem pessoas adultas com alegrias estampadas no rosto e outras pensativas questionando a vida e o mundo.
Com tudo isto, meus pensamentos voltam-se à época distante, à infância, em uma comunidade interiorana, à busca de algumas recordações daqueles tempos idos. A intuição me diz que valerá a pena recordar, porque recordar também é viver.
O advento era o tempo de intensificação dos sentimentos, agraciado com os afazeres pré-natalinos: a escolha da árvore, sempre uma araucária, especialmente plantada e cuidada para esse fim; a produção de doces de mel e de doces de natal. Os doces de mel sempre eram feitos primeiro porque se conservavam melhor e aguentavam até Natal. Eram enfeitados com glacê e guardados em grandes latas. Todos os dias comiam-se alguns pedaços o que instigava ainda mais a espera para o grande dia.
A confecção de doces era grandeza à parte. Mamãe permitia que nós, crianças, ajudássemos. Usávamos variadas fôrmas, como: anjos, carneirinhos, sinos, pinheiros, manjedouras, estrelas, meias-luas, entre outras. Saídos do forno eram enfeitados com glacê e açúcar colorido, um verdadeiro trabalho artístico.
Se nós crianças estávamos autorizados a ajudar na parte de colorir os doces, tivemos o cuidado para não sermos surpreendidos pelas crianças da vizinhança, pois elas acreditavam que os doces eram trazidos por São Nicolau, hoje Papai Noel. Quanto aos doces havia estas diferenças, como me confidenciou há alguns anos o “Homem mais feliz do mundo”, Paulo Notari, na localidade de Ipiranga, em Rodeio/SC, idealizar do “El Picol Paradis”, composto de hortênsias, anjos e Cristo Redentor.– “No Natal, nós crianças ganhávamos três docinhos, tipo coração e nós tínhamos na cabeça, de nossa mãe e do nosso pai, que vinha o menino Jesus montado no cavalinho e botava os docinhos no prato”.
Natal começava cedo, por assim dizer, terminava um e começava outro. O término acontecia com a remoção da árvore. Ela era o símbolo. Permanecia na sala até meados de janeiro; quanto mais tempo, melhor, pois enquanto estivesse ali, Natal ainda não havia acabado. Acendíamos os tocos de vela que sobraram da comemoração da véspera e admirávamos a beleza singular tardia do pinheiro enfeitado.
A noite de Natal era de comunhão. Papai, mamãe, os irmãos, os avós, tios, tias e primos cantavam canções natalinas, junto à árvore enfeitada. Papai lia a história do nascimento do Salvador e nós meninos declamávamos poemas, decorados no sigilo para não atrapalhar a surpresa. Os presentes não eram de fartura, mas de grande significado emocional.
Para nós a árvore multicolorida com luzes brilhando era a maior maravilha do mundo. É lógico, não estávamos acostumados a ver coisas belas extraordinárias. Não havia televisão, não viajávamos. O que se poderia apreciar então? – Apreciávamos o céu estrelado, a Lua nascendo e a chuva caindo. Ah! Não posso esquecer: mamãe, papai e os irmãos. Todos lindos, todos vivos. Mas a árvore natalina era incomparavelmente bela.
A alegria era tão grande que a partir da retirada da árvore natalina, começava a contagem regressiva para o próximo Natal. É lógico, que até lá, ainda havia a Páscoa, outra festa que valesse a pena esperar por ela. Durante o ano, vez ou outra, fazíamos as contas para ver o número de dias que faltavam.
Com os anos passando, e nós crianças crescendo, era inevitável a grande revelação: São Nicolau não existe. Coube à mamãe a restauração da realidade, a passagem do mito à verdade. No meu caso específico, lembro os detalhes: decepção total, choro e lamentações. Todavia, aos poucos, o imaginário e a fantasia perdidos, abriram lugar para um sentimento elevado: deixei de ser criança para ser homem. Tornara-me adulto com todos os privilégios e verdades e via meus irmãos e primos menores como “coitados”, que ainda acreditavam em coisas que não existem. Mesmo assim, depois da revelação, eu percebi como era admirável o tempo de Natal.
Hoje, muito se perdeu, mas permanecem as lembranças e a esperança em um dia encontrar todos novamente na festa magna da cristandade, para poder admirar a araucária enfeitada, de velas iluminada, irradiando paz, justiça, amor e perdão. Que o Salvador das gentes me ajude!
Feliz Natal!


* Poeta, escritor e professor, autor dos livros “Meu canto-amar”; “Girata de espantos”; “Nebulosa de amor”: “Contos e poemas de Natal”; “A sétima caverna”,”De Neu-Zürich a Presidente Getúlio: uma história de sucesso”; “A inserção da língua portuguesa na Colônia Hammonia”: “Terra da fartura: história da colonização de Ibirama”: “Teoria da Literatura”: “IbirAMARes e outros poemas” e “A história das árvores-homens e outras crônicas”.

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