sábado, 24 de outubro de 2015

Caboclos de lança


* Por Clóvis Campêlo


Os caboclos de lança integram os maracatus rurais, também chamados de maracatus de baque solto ou maracatus de orquestra.

Segundo a escritora Virgínia Barbosa, em pesquisa publicada no site da Fundação Joaquim Nabuco, até a década de 1920, os caboclos de lança não despertavam tanto interesse e nem fascinavam as pessoas. Na sua maioria, eram trabalhadores das lavouras de cana-de-açúcar que viviam e desfilavam nas cidades interioranas de Pernambuco. A partir da década de 1930, no entanto, com a decadência dos engenhos banguês, o crescimento das indústrias e a modernização da economia, esses trabalhadores passaram a se deslocar do campo para as zonas urbanas das cidades litorâneas, notadamente da capital do Estado, trazendo consigo essa tradição cultural.

Embora a origem do maracatu rural ainda seja desconhecida, alguns pesquisadores acreditam que ele tenha surgido devido à mistura de vários elementos das culturas indígenas e africanas e de outros folguedos, como cambinadas, bumba-meu-boi, cavalo-marinho, caboclinhos, folia de reis, etc. Os caboclos de lança, que também são conhecidos como lanceiros africanos, caboclos de guiada ou guerreiros de Ogum, integram o maracatu de baque solto ao lado de outras figuras como o mateus, a catirina, a burrinha, o babau, o caçador, baianas, damas de buquê, a dama do paço, calungas e caboclos de pena.

Os caboclos de lança se submetem a um verdadeiro ritual, antes de saírem para as ruas durante o carnaval. Primeiro, abstinência sexual completa, que começa na sexta-feira anterior ao início do carnaval e vai até a quarta-feira de cinzas. Para não “abrir o corpo” e aumentar as suas defesas, o caboclo também não toma banho durante esses dias, obrigando-se a dormir sujo, do jeito que veio da rua. Existem ainda, antes da saída dos caboclos para o carnaval, cerimônias realizadas em terreiros, com a benção da lança e da flor, que carregam na boca, e com a tomada do azougue, coquetel preparado com pólvora, azeite e cachaça.

Suas vestimentas são formadas pelo chapéu de palha, ornamentado com fitas onde predomina a cor do seu guia espiritual; um lenço colorido, colocado no pescoço; uma grande gola coberta de lantejoulas, que cobre os ombros, o peito e as costas do caboclo; a fofa, calça frouxa com franjas; o surrão, uma armação com chocalhos que o caboclo carrega nas costas; os óculos escuros e uma flor presa nos lábios, geralmente um cravo branco.

O destaque especial é a lança de madeira, feita de imbiriba ou quiri, com dois metros de comprimento, cortada por eles mesmos na mata, assada e enterrada na lama por quatro a cinco dias, para endurecer; depois descascada e afilada na ponta de quatro quinas e coberta de fitas coloridas, com cerca de 60 cm, cada, consagradas e batizadas em um terreiro de umbanda, com rezas e defumadores.

Recife, 2011

Fotografias, montagens e pesquisa de textos de Clóvis Campêlo

* Poeta, jornalista e radialista, blogs:


Nenhum comentário:

Postar um comentário