quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Brasileiro não gosta de futebol


* Por Fernando Yanmar Narciso


Sim, você leu o título direito. Depois de muito tempo observando de longe, cheguei a essa conclusão. Brasileiro não gosta mais de futebol. Brasileiro gosta de GANHAR JOGO! Essa é a única coisa que tem interessado ao torcedor desde a fatídica tarde de 5 de julho de 1982, quando o sacana do Paolo Rossi arrancou a fórceps o tetracampeonato das mãos da seleção brasileira, comandada por Telê Santana.
Dizem que a seleção que foi à Espanha foi a última a jogar um futebol genuinamente brasileiro, com arte, malandragem, firulas, ingenuidade, exibicionismo e romantismo. Comparando a outro esporte, talvez aqueles jogadores fossem os Harlem Globetrotters do futebol. 

No imaginário do torcedor, a seleção ideal é aquela que quase pertence ao reino do realismo fantástico, que nem tomava conhecimento do adversário. O ataque mais temido do mundo inteiro, que passava a patrola em quem quer que fosse. Gols em abundância, domínio técnico em todos os aspectos. O Brasil não jogava contra ninguém, era o resto do mundo que tentava jogar contra nós.
 
Desde os tempos de Pelé e Garrincha, perder para a seleção brasileira era considerado uma grande honra, um verdadeiro rito futebolístico de passagem. Você entrava em campo como um garoto e saía de lá como um homem. Os jogadores podiam voltar aos seus países de peito estufado e afirmar SOBREVIVEMOS AO BRASIL!
 
Aquela tarde de segunda em 1982 nos estilhaçou. Nunca mais tivemos uma seleção com alma brasileira. A derrota bagunçou para sempre nosso futebol, e nunca conseguimos superá-la por completo... Depois dela, os brasileiros pararam de 'jogar para ganhar' e passaram a 'jogar para não perder'. Um tipo de ‘catenaccio’ italiano com ataque à brasileira.
Ao invés de continuar valorizando o toque de bola, os dribles e a inocência do futebol-moleque, os técnicos passaram a apostar no 'temos que ganhar, não importa como'. E o principal efeito colateral dessa mudança de mentalidade foi a morte do 'amor incondicional' do torcedor.
 
Agora só vamos aos estádios apoiar o time dito de coração se ele estiver embalado no campeonato. Quando numa posição boa na tabela, vencendo sem parar, com uma possibilidade de entrar no G4 e concorrer a uma vaga para disputar a taça Libertadores da América, o time lota estádios e recebe 'amor incondicional e irrestrito' de seus torcedores. 

Agora, se o time vive empacando e tomando porrada até dos últimos times na tabela, a torcida não quer nem ver! Nos momentos em que o time mais precisa de apoio, torcemos o nariz. Isso tem a ver com a endêmica viralatice do brasileiro. Somos um povo chorão, um país de 'sofredores românticos' viciados em auto-imolação.
 
Apenas nos gramados ainda éramos capazes de nos afirmarmos diante dos olhos do mundo. ‘Vocês podem ser mais ricos, bonitos, poderosos e organizados que nós, mas deixa a bola começar a rolar pra ver o que vai lhes acontecer!'. Essa era a lei desde nosso primeiro campeonato mundial em 1958. Por anos a seleção brasileira foi nosso principal patrimônio, nosso maior motivo de orgulho. Nossos embaixadores extra-oficiais.

Não importa quão ruim fosse a situação do Brasil, se nossos 'canarinhos' estivessem bem em campo sempre haveria esperança para o país. Os meninos almejavam algum dia serem convocados para a seleção, a cereja do bolo, o 'cream of the crop', a elite da elite do futebol brasileiro. Aí aconteceu o 7 a 1. Com o 7 a 1 não há quem possa! Game Over pra nós... 
Logo no momento em que o desprezado Dunga mais precisa do apoio da torcida para tentar fazer a seleção ressurgir das cinzas, viramos as costas. ‘Queremos uma renovação no futebol brasileiro!’ Mentira! Queremos ganhar jogos! As pessoas parecem ter se esquecido que foi o próprio Dunga quem apanhou uma seleção recém-saída do apocalipse e lhes devolveu o moral para voltar ao campo. Embaixo de vaias, apatia e tudo o mais. Mas voltaram.

Eu não sou cego. A seleção não está jogando bem, não convence nem ao próprio treinador, mas começou a vencer nas eliminatórias após um cachalote na ponta dos pés chilenos. Também sei que, pelo menos na América latina, os adversários estão rindo da nossa cara. Mas mesmo assim eles precisam de nós.

E nem me venham com essa de que ‘não torço pela seleção porque torcer por ela é torcer pela corrupção na CBF e se a seleção vencer a próxima copa, toda essa sujeira seguirá varrida pra debaixo do tapete’. Balela! A CBF nasceu e vai morrer corrupta e isso jamais impediu que torcêssemos pela seleção na campanha do tetra, do penta, nem na incensada copa de 1982!
 
Por isso, façamos um leve esforço, torcedores. Tirem a poeira das camisetas, chapéus, tambores e vuvuzelas que usaram nos protestos contra o governo, sentem-se diante da tevê e dêem uma forcinha para nossos representantes no campo!
 
Nos momentos bons e principalmente nos ruins, ainda são a seleção e representam o Brasil. São nossos embaixadores. Até porque, seria uma situação no mínimo surreal se, por um acaso, nos tornássemos hexacampeões na Rússia em 2018 e, no regresso do time ao país não tivesse ninguém para recebê-los, nem mesmo a imprensa, como aconteceu recentemente.
 
Se o 7 a 1 foi a maior humilhação que já sofremos em uma copa do mundo, que ele também seja nossa motivação, nossa chance de redenção. Todo o esforço de nossos jogadores devia ser guiado pela obsessão com esse placar. Dunga deve imprimir na mente de seus comandados a obrigação de expurgar o acachapante resultado a cada jogo.
 
Simplificando o raciocínio: Para ficar de bem conosco, a seleção brasileira precisa, simplesmente, ganhar TODOS os seus jogos até 2018 pelo placar de 7. E logo no 1º tempo de cada partida! No fim das contas, a única coisa que interessa nos esportes é a vitória, o resto é supérfluo.

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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Um comentário:

  1. Mãe coruja ataca novamente: boa crônica futebolística. Lembrei-me de Nelson Rodrigues.

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