domingo, 27 de setembro de 2015

Rumo ao buraco-negro


* Por Pedro J. Bondaczuk


A vida, fenômeno supostamente raro (pelo menos pelo que se conhece atualmente) no universo, está, constantemente, sob risco, das mais diferentes intensidades e naturezas, embora nem sempre venhamos a nos dar conta. Ao despertarmos, ao amanhecer de cada dia, não temos nenhuma certeza de que, ao cabo dele, estaremos vivos e incólumes, dados os múltiplos perigos que corremos. Não estamos absolutamente seguros em lugar algum.

Podemos, por exemplo, nos acidentar no trânsito, sofrer um mal súbito, ter alguma queda fatal, sermos vítimas de um assalto ou de agressão inesperada, e vai por aí afora. Nem mesmo em nossa casa podemos afirmar que estamos seguros. E à noite, ao nos recolhermos para dormir, ainda assim corremos riscos de toda a sorte, mais reais do que ousamos admitir. Pode-se afirmar, pois, que andamos o tempo todo numa instável corda-bamba, por sobre um abismo de enorme profundidade, da qual podemos despencar a qualquer momento para a anulação e o nada.       

Escrevi, tempos atrás, em uma crônica, este trecho, que foi encarado, na ocasião, por alguns leitores, como manifestação de pessimismo: “O noticiário assustador que nos chega diariamente através dos meios de comunicação, falando de violência, catástrofes, corrupção, guerras e outros tipos de ameaça à segurança e à vida, tende a nos deixar tensos e assustados. A reação natural das pessoas nestas circunstâncias é a do isolamento, da desconfiança, do estabelecimento de barreiras em relação aos semelhantes, numa atitude defensiva, que pode ser saudável ou doentia, dependendo da intensidade. Sem exageros, trata-se de uma ação prudente e compreensível”.

Aduzi, no entanto, esta observação, para a qual, provavelmente, meus críticos não atentaram, alertando para os excessos de cautela ou de medo: “Há, todavia, os que levam esse mecanismo de que a natureza nos dotou a extremos, ao exagero. Tornam-se neuróticos, agressivos, amargos, pessimistas, mudando por completo sua personalidade. Deixam de prestar atenção às pequenas coisas do dia-a-dia que, devidamente valorizadas, se constituem em fontes renováveis de satisfação e prazer. Chegam a perder, até mesmo, a perspectiva dos objetivos de vida”. Escrevi alguma impropriedade ou inverdade? Óbvio que não!

Nossas dúvidas, princípios e esperanças são compartilhados por milhões, quiçá  bilhões, de pessoas ao redor do mundo. Todos somos vítimas da efemeridade. Todos trazemos em nós, em nossos corpos, em nossas vidas, mesmo que pareçam grandiosas aos olhos alheios, as mesmas dúvidas, os mesmos defeitos, as mesmas misérias e as mesmas covardias que tanto nos envergonham. Afinal, "no tempo não há lugar para o homem..."

Passado, presente e futuro são uma só coisa, um "único rio", cujas origens e destino estão no infinito. Ninguém sabe de onde suas "águas" vêm e nem para onde vão. Por isso, até hoje não sei com certeza se devemos comemorar ou lamentar um aniversário. Fico em dúvida se devemos considerar uma vitória o fato de havermos sobrevivido a mais um ano ou nos preocupar com a inexorável proximidade da morte. Minha intuição me leva a ficar com a primeira das alternativas. Afinal, o que é a vida e o que é a morte?

Há, todavia, os que são contumazes e empedernidos catastrofistas. Vivem sempre esperando o pior e se esquecem de agir, não apenas na tentativa de diminuir (já que é impossível eliminar) os riscos, como de buscar alternativas, caso as catástrofes que tanto esperam de fato aconteçam.

Um dos livros mais impressionantes que já li, sobre os perigos que ameaçam a Terra e, por conseqüência, a vida, tem o sugestivo título de “Escolha a catástrofe”. Foi escrito pelo cientista e escritor de ficção científica Isaac Asimov. No Brasil, a obra teve várias edições, de editoras diferentes, embora não tenha se constituído em nenhum best-seller. A que li é a da Editora Melhoramentos, com tradução de Amarílis Miazzi Pereira Lima. O livro tem 334 páginas e pode fornecer uma infinidade de argumentos aos catastrofistas de carteirinha (embora estes até os dispensem para suas neuróticas elucubrações).

Apesar do título sombrio do livro, Isaac Asimov mostra otimismo quanto à sobrevivência, não somente a humana, mas da vida, como a conhecemos. E não só isso, como até derruba alguns mitos a propósito. Por se tratar de um cientista, sua análise, meticulosa, é baseada, rigorosamente, em dados científicos, o que não comporta sequer contestações.

Chego à conclusão que o maior perigo a que estamos expostos é o de sermos tragados por um “buraco-negro”. Não o que os cientistas supõem que exista bem no meio da Via Láctea e que, se de fato existir, no espaço de alguns bilhões de anos, haverá de sugar, inexoravelmente, todos os bilhões de estrelas da galáxia (entre elas o sol e seu sistema de planetas, a Terra no meio), enfim, toda a matéria para o seu interior, não deixando de fora sequer a luz.

Trata-se, porém, de um outro vórtice, muito mais próximo de nós e, portanto, mais iminente. É o que o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa alertou que nos ameaça, de forma crescente, ao escrever, num dos seus tantos e lúcidos textos: “Nós estamos caminhando para um buraco-negro: não sabemos amar, não nos ouvimos e estamos de cabeça para baixo em nossos valores”. Esse sim é o perigo com o qual devemos nos preocupar. Os demais...



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
  

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