quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Quem faz rir e faz chorar


O escritor Saul Bellow teve não somente vida longa, mas foi muito bem sucedido na atividade que abraçou. Poucos o foram, são ou serão. Se estivesse vivo, teria completado cem anos de idade em 10 de junho deste 2015. Morreu dez anos antes. Para ser mais exato, faleceu em 5 de abril de 2005, dois meses e cinco dias antes de celebrar 90 anos. Sua bibliografia nem é tão extensa, comparada com a de tantos outros escritores. Todavia, o que publicou é de altíssima qualidade literária. Não por acaso, Bellow integra o seletíssimo rol dos ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura: o de 1976. Escrevi vários comentários sobre esse escritor. Portanto, por melhor pesquisador que eu seja (e considero-me, no mínimo, bom), dificilmente conseguirei trazer à baila algo novo a seu respeito. E isso importa? Ademais, a leitura tende a ser rotativa. Por isso, a reiteração se justifica.

Redatores um tanto distraídos, ou que não se apegam a detalhes, caracterizam Saul Bellow como escritor norte-americano. Estão e, simultaneamente, não estão certos. Como assim?!! Bem, adianto que ele não nasceu nos Estados Unidos. Para ser exato, é canadense, natural de Lachine. Todavia, integra o longo rol dos norte-americanos ganhadores de Nobel. Isso porque fixou residência nos Estados Unidos, cuja nacionalidade assumiu. Tornou-se, portanto, para todos os efeitos, cidadão norte-americano de fato e de direito. Há quem o caracterize, todavia, como escritor judeu, dada sua origem étnica. Querem saber de uma coisa? Para mim, homens notáveis, como Saul Bellow e tantos outros, deveriam ser caracterizados, simplesmente, como “cidadãos do mundo”, o que sempre foram, sem nenhuma nacionalidade específica.

É certo que vários dos seus personagens, da relativamente vasta legião que criou, são judeus típicos, com seus costumes, tradições e problemas característicos. Entre estes, sem dúvida, destaca-se, o preconceito, que sempre acompanhou (e ainda acompanha) esse povo, onde quer que viva. Mas... não se pode esquecer, também, que Bellow foi considerado por muitos (e ainda é) como o “grande cronista de Chicago”, cidade em que se fixou e que compreendeu (e descreveu) como poucos. E os judeus foram discriminados nos Estados Unidos, onde mais prosperaram e se destacaram? Foram! Não, óbvio, como na Europa. Não como na Rússia, onde foram vítimas de inúmeros “pogrooms”. E muito menos como na Alemanha nazista, onde o paranóico Adolf Hitler empenhou-se para eliminar essa etnia da face da Terra. Embora sutilmente, porém, foram discriminados, sim, nos Estados Unidos, pelo menos até 1945, quando os horrores do Holocausto vieram à tona. Depois disso... a discriminação foi velada, mas não desapareceu. Afinal, não ficava bem, nem para o mais empedernido racista, revelar seu preconceito racial ostensivamente, após a opinião pública haver tomado ciência do extermínio ocorrido nos perversos e absurdos campos de concentração alemães.

Saul Bellow consagrou-se como escritor não somente pelos enredos que criou. É tido e havido (com justiça) como mestre de ficção em língua inglesa, num país que produziu romancistas do porte de Scott Fitgerald, William Faulkner, Ernest Hemmingway, John dos Passos, John Steinbeck e tantos e tantos e tantos “monstros sagrados” da Literatura mundial. Seu estilo peculiar, que mistura altíssima e erudita cultura com a esperteza das ruas de Chicago, influenciou uma legião de escritores, entre os quais Philip Roth (eterno postulante ao Nobel de Literatura), Ian McEwan e Martim Amis, para citar, apenas, três dos mais expressivos. Foi, pois, um gênio, e reconhecido como tal.

Diz a lógica que nada é mais apropriado, para marcar o centenário de um escritor, do que lançar, ou relançar algum de seus livros, de preferência o que melhor o caracterize. Pois é o que a Companhia das Letras faz, lançando, no Brasil, “A conexão Bellarosa”. O volume reúne quatro novelas de Saul Bellow: a que dá título ao livro e mais “Um furto”, “Uma afinidade verdadeira” e “Ravelstein”. São todas produções da (digamos) fase final da vida do autor. A esse propósito, Martim Amis afirmou: “Há muita coisa acontecendo nessas ficções curtas, enredos emaranhados (por vidas emaranhadas) e intensa arte formal”. E há de fato. Recomendo-lhe, paciente leitor, que confira por si só.

Entre as tantas observações inteligentes e originais de Saul Bellow, pincei esta, que me fascina pela verdade e pela elegância, em um de seus livros (não anotei de qual): “Eu quero dizer-te: não te cases com o sofrimento. Algumas pessoas fazem-no. Casam-se com ele, dormem e comem juntos, como marido e mulher. Se se deixam levar pela alegria acham que é adultério”. Evidentemente, não é. Case-se, sim, mas com o positivo, com a felicidade e com a alegria. Sinta-se e seja feliz! Do livro “A conexão Bellarosa”, extraio esta constatação contida em determinado trecho da novela “Ravelstein”: “(…) Dos escritores, esperamos que nos façam rir ou chorar”. E Saul Bellow faz ambas as coisas com maestria e mega sensibilidade.

Boa leitura.


O Editor.

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