segunda-feira, 20 de julho de 2015

Destino de Gulliver

* Por Daniel Santos

Alto, louro, olhos azuis: gringo, visivelmente. Vinha de torso nu pelo calçadão da praia para mostrar, talvez, o maciço musculoso que erigira, na certa, em alguma academia e à custa de refeições balanceadas.

Quadril estreito, ombros largos, pernas arqueadas de caubói, o desfile da sua imponência colocava os nativos em desvantagem, ou assim sentiam-se, embora nada dissessem, mordidos de inconfessável despeito.

Mas aí aconteceu. Movediços como a duna de onde desceram armados de ripas, garotos de rua cercaram o latagão que, apesar da ferocidade dos bíceps, se fragilizou. Sorriso amarelo, estacou intimidado.

Surpresos com o incompreensível receio, os miúdos gargalhavam como criaturinhas de Lilliput em torno ao gigante que, para se safar,  ofereceu relógio, tênis ... Mas o pivete pediu “tio, paga um guaraná?”

Sem entender, o gringo apavorou-se, mas não reagiu e, vexado da própria covardia, enrubesceu. Quanto mais vermelho, mais os magrelas se riam dele. Só mais tarde, humilhado de autocrítica, voltou ao hotel.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

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