sábado, 30 de maio de 2015

Também quero ser indiciado


* Por Flávio Tiné


Já que agora é chique, também quero ser indiciado. Forneço aos órgãos competentes, uma a uma, as razões que podem me incluir entre banqueiros, comerciantes e publicitários baianos. Não subtraí nenhum pote de manteiga do supermercado, tampouco boné de algum membro de gangue de rua. Sequer tive coragem de levar roupas íntimas do varal do vizinho, mesmo porque não eram de nenhuma grife.

Mas lembro que lá pelos idos de 1962 tomei Ron Montila com Che Guevara e Fidel Castro, senão com eles exatamente, mas pelo menos no mesmo bar onde eles recepcionavam uma comitiva de brasileiros que emprestavam sua solidariedade à revolução cubana, no hotel Habana Riviera.

Podem me indiciar por ter nascido pobre, no interior de Pernambuco, tendo dez irmãos do mesmo pai e da mesma mãe, coisa raríssima hoje em dia, pelo menos por aqui pelo Sul Maravilha. Obviamente, como Lula, tive de virar pau-de-arara, depois que outra revolução, assim denominada mas na verdade um simples golpe militar, resolveu prender e perseguir todos os pernambucanos que de alguma maneira apoiavam Miguel Arraes de Alencar.

Ir a Cuba e apoiar um governo de esquerda no Brasil já não constitui nenhum crime. Pelo contrário. Pode até valorizar o currículo num governo dito popular.

Se tais razões não bastarem, quero ser indiciado por ter tentado ler um ou outro livro de Paulo Coelho. Não consegui ir até o fim, é verdade, como não consegui terminar O Código Da Vinci. Noutros casos, como os poemas de Paulo Bonfim, nem precisei me dar ao trabalho de ler: ouvi-os em algumas solenidades, ocasiões festivas e quetais, através da Rádio Bandeirantes.

Quase incluía no rol dos motivos de indiciamento o fato de ter assistido algumas vezes o programa do Ratinho e o Superpop da Rede TV. Nesse último caso deixa pra lá, pois a carne é fraca.

Gostaria de ser indiciado por ter votado em Lula, mesmo não sendo petista, só por ser fã de Chico Buarque. Continuo fã dele, gente de boa fé, menino de ouro, mas confesso meu desencanto. Quase não acredito em mais nada – exceto em Luiza Brunett, e naquela menina que prometeu me fazer feliz enquanto pudesse. E o fez enquanto pôde.

O delegado vai me perguntar se fiquei triste com o desenlace e com os rumos que vêm tomando as eleições que se aproximam. Direi que sim, naturalmente, menos pelos cinco netos que me rodeiam e até me fazem esquecer que um dia sonhei como todo militante. Manterei as musas, as antenas e os búzios, para a hipótese de mudanças e imprevistos.



*Jornalista

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