sábado, 23 de maio de 2015

Loucuras de um escritor


* Por Rodrigo Capella


Entre um cachimbo e outro, Jonas escrevia pequenas frases em seu diário úmido e manchado por patas de cachorro. Desiludido com o mundo da literatura e com as mãos fixas na caneta, o autor, que chegou a estar na lista dos mais vendidos, procurava se ocupar com pequenas histórias, umas mais absurdas do que as outras. Faltava-lhe imaginação, faltavam-lhe elementos para construir uma boa narração.

Largava o diário, caminhava pelo pequeno corredor, voltava a apanhar o caderno, largava-o poucos minutos depois. Jonas realmente estava deprimido e, em um ato fora do comum, abriu a porta e ganhou a rua, talvez em busca de curiosidades, talvez atrás de sonhos antigos ou simplesmente para respirar um pouco.

Já era tarde. O relógio, apertando o pulso esquerdo e deixando marcas, sinalizava onze e meia da noite. Jonas caminhava freneticamente. Passava por parques, ruas pequenas, campos de futebol. O autor ia em direção à ponte, só podia estar indo naquela direção. O vento forte e o chuvisco atrapalhavam a caminhada, mas Jonas enfrentava os obstáculos e os superava.

Cansado e trêmulo, Jonas chegou ao destino, debruçou-se na ponte iluminada e antiga, ganhou força extra e saiu correndo até a outra extremidade da construção. Fez isso durante alguns minutos e horas, circulando por quase toda a pequena e singular cidade. Voltou pra casa, tomou um suco de acerola com menta, deitou-se na poltrona rasgada e lá dormiu desconfortavelmente durante horas, chegou até a sonhar com os tempos de sucesso literário. Acordou com uma pomba debatendo-se na janela, como se quisesse entrar na casa do autor.

Jonas pensou e acabou cedendo. A pomba branca e extremamente agitada sentiu-se á vontade, como se tivesse a companhia de outras. Pegava o diário do autor, percorridos os corredores e rapidamente largava o caderno.

Jonas, em mais um ato fora do comum, abriu uma gaveta, pegou sua 38 e disparou um tiro contra a pobre pomba.

Paredes manchadas, animal morto pelo chão e cheiro impregnando a casa.

Jonas observou tudo isso e refletiu por alguns segundos. Pegou a arma e a segurou com uma firmeza singular. Mirou em direção à sua cabeça e sentou-se na cadeira. Lá, dormiu durante horas, dias e anos.

* Jornalista, escritor e poeta. Autor de vários livros, entre eles "Transroca, o navio proibido", que vai ser adaptado para o cinema pelo diretor Ricardo Zimmer.

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